Escuridão

3 0 0
                                    

Abro os olhos e o vejo do meu lado, dormindo calmamente. Não consigo esconder meu sorriso ao vê-lo ali, tão indefeso.
Por um instante penso em fugir. Me sento na cama mas não consigo me levantar. Não quero fugir, quero ficar. Era o que eu queria.
'O que eu faço?'
Essa pergunta martelando incessantemente na minha cabeça.
Toco seu rosto de leve, sentindo o calor nos dedos.
Volto a me deitar, mais perto agora. Ele se mexe, rolando contra meu corpo, passando seu braço sobre meu ombro.
Me aconchego naquele abraço protetor, me sentindo em casa, finalmente.
Não consigo mais lutar, é inútil. Já sabia desde o inicio. Eu pertenço a Fen'Harel. Esse é o meu lugar.

Acordo sozinha, já é claro. Me estico e me sento na cama, sentindo o cheiro de café.
Caminho até a cozinha e me deparo com um Solas cozinhando.
Me encosto no batente da porta, sorrindo.
- O que diriam os generais...
Ele se vira rapidamente.
- Ah, Vhenan! Bom dia. Venha!
Me sento, observando, me sentindo meio desconfiada.
- Dormiu bem?
Concordo com a cabeça, com uma fatia de pão na boca. Enquanto mastigo meus olhos não se desgrudam dele.
Ele sorri e me empurra a caneca com café.
- Sei que ainda é cedo mas... - murmuro - Você sabe, eu preciso ir.
Ele continua a tomar seu café, olhando para o nada.
Não sei se continuo falando então bebo o café.
- Esperava que você ficasse, mas não posso te forçar a nada, Vhenan. Nunca pude e você sabe disso.
Fico surpresa com sua resposta.
- Eu achei que você...
Ele balança a cabeça e me olha com um sorriso.
- Eu falei serio quando disse que nunca foi minha intenção te magoar. Você não estava em meus planos.
- E agora? - perguntei, mas sem querer saber a verdade.
Vejo ele se encostando na cadeira, me olhando com a expressão derrotada.
- Agora depende de você e de que lado você vai estar quando tudo acabar.
Desvio o olhar rapidamente, sentindo meu coração apertando no meu peito.
Dou um suspiro profundo, sentindo uma sensação de tristeza misturada com alívio.
- Eu sei que você não vai mudar de ideia quanto a isso mas... - digo, me levantando - Eu também não vou.
Ele permanece sentado, me observando arrumar minhas coisas.
Pego o que sobrou do meu arco, todo destroçado, sinto meu espírito tão quebrado quanto.
Vou para o quarto e me sento na cama, começo a ajustar as amarras do meu braço quando ele aparece na porta.
- Precisa de ajuda?
Balanço a cabeça, segurando a correia de couro entre os dentes.
Termino de fixar a peça e testo o movimento dos dedos. Sinto um pouco de dor muscular.
Ele se senta próximo a mim, tocando meu ombro.
- Fique comigo, Vhenan...
Fecho meus olhos com força, tentando mentir para mim mesma.
- Não posso. Não consigo ignorar o que está para acontecer. Eu preciso ir.
- Entendo... - ele murmura.
Ao ver sua expressão triste me movo para mais perto, buscando seu olhar.
- Solas, meus sentimentos nunca mudarão.
Seu olhar é afetuoso e me faz querer jogar tudo para o alto e ficar aqui.
Toco seu rosto e me aproximo mas ele evita meus olhos e se levanta, com um ar ofendido.
- Seus sentimentos não mudarão? Nem quando você assistir seus amigos morrerem? Ou quando vir seu mundo em chamas?
Engulo em seco, olhando para cima. Ele tem razão. Mas não em tudo.
- Meus sentimentos por você não mudarão, Solas. - também me levanto - Mas da mesma forma que você acredita estar certo, eu também acredito que posso faze-lo mudar de ideia sobre meu mundo.
Ele sai do cômodo e me sinto sozinha e confusa.

Ele me acompanha em silêncio até o eluvian. Nesse momento sinto uma grande escuridão em minha alma.
- Solas...
Ele está à dois passos de meu alcance, mas parece tão longe.
- Não se preocupe, Vhenan, ainda vou estar por perto. Mas não demore para se decidir.
Aceno com a cabeça e passo rapidamente pelo eluvian para que ele não possa ver minhas lágrimas.

Saio na floresta, pisando com cuidado já que está escuro e não consigo ver à frente.
Vejo pequenas brasas e ouço sons de conflito distantes. Quando saio da mata mais densa vejo que já é noite. De que dia?
Me lembro de Solas dizer que o tempo passava diferente onde estávamos, mesmo assim corro para o vilarejo próximo.
Quando chego na praça vejo escombros, pessoas trabalhando no rescaldo de incêndios, outras cuidando de feridos.
Paro um homem que está carregando dois grandes baldes, pegando um de suas mãos.
- O que houve?
Ele me olha com descrença.
- Os demônios! Você não viu? Eles atacaram, foi uma desgraça! Os soldados lutaram até que recuassem.
Começo a ajudar com os feridos até o amanhecer.
Finalmente me sento no chão da hospedagem, exausta mas sinto meu coração tranquilo pois soube que não haviam passado algumas horas desde que sai.
Solas tem razão. Tenho que escolher um lado rápido.

Sob o véuOnde histórias criam vida. Descubra agora