Além da dor

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Naquela manhã estava me sentindo um pouco melhor se comparado aos outros dias, mas ainda dói. Dói muito, dói demais. Uma dor física porém tão profunda que a alma ainda sangrava. O braço não mais.

Me pergunto se não devia ter notado.

Sempre me considerei esperta, não exatamente uma mestra de guerra, ainda assim acima da média.

Eu devia ter percebido. Meu braço esquerdo ainda dói, essa dor fantasma... Talvez ainda doa menos do que a traição...
Ou o orgulho... Eu devia ter percebido... O seu nome já dizia tudo.

- Droga! - bato na minha própria cabeça, tentando afastar os pensamentos, mas o incomodo não passa.

- Eu devia ter notado! - talvez em voz alta faça mais sentido.
Com um esforço enorme me levanto da cama. Não posso ficar aqui o dia todo, preciso reagir, preciso fazer as coisas acontecerem. Ou meu mundo, o mundo inteiro, irá desabar.

Ao caminhar em direção do salão principal, sinto minha mente cansada de divagar. Não noto quando um auxiliar se aproxima.

- Sua graça... - continuo a caminhar, não ouvindo ou vendo o jovem.

- Herr... Me desculpe, sua graça?

Quando noto, o jovem com olhos azuis escuros, expressão aflita, segurando alguns papeis, está me seguindo.

- Huh? O que foi? - paro e o observo. Não deve ter 15 anos...

- Senhora, digo sua graça, é necessário seu aval em documentos que serão enviados a Chantria até à tarde... - o jovem, que está nitidamente nervoso, me entrega o que ele segurava.

Eu aceno com a cabeça e o jovem faz uma menção e sai apressado, me fazendo sorrir do seu jeito atrapalhado.
Olho para a pilha de papeis em minha mão, burocracia. Obviamente não consigo folhar a papelada, apenas caminho em direção à minha sala.

- Papeis... Cass me paga por me deixar com burocracia enquanto convalesço... - murmuro, me sentindo entediada. Mas com uma ponta de saudades de Cassandra. Ou melhor, Divina Vitória.

Me pego sorrindo, as lembranças boas das aventuras voltam a mente... 'Ma vhenan' ( meu coração ) - a voz dele ecoa nas minhas memórias como o badalar do sino da meia noite.

- Droga! - minha voz sai mais alta do que eu esperava.

- Sua graça? - vejo o jovem assistente me olhando pela fresta da porta, com expressão preocupada.

- Não... Não é nada, só estava analisando a papelada... Não se preocupe... - gesticulando para que ele saia e feche a porta.

- Quando vou conseguir continuar...? - murmurei, sem a menor esperança de diminuir a dor, quando vejo um corvo pousando na janela. É um dos corvos de Leliana.
Cuidadosamente retiro a mensagem presa na perna da ave, que parte em seguida.

Leio a mensagem:

"Situação em Val Royaux ainda traz insegurança e instabilidade. É necessário que vossa graça compareça à capital com certa urgência".

Sinto a dor de cabeça aumentando na mesma hora, nesse momento outra lembrança me atropela "Var lath vir suledin" ( nosso amor pode resistir )

- Como eu não notei nada?
Olho pela janela, em direção ao horizonte, pensando no futuro, no dia em que eu irei devolver toda essa dor.

- Fen'Harel, ma harel lasa, vhenan...( você me enganou... )
Meu braço dói.

Sob o véuOnde histórias criam vida. Descubra agora