Sacrifício

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Caminho com muita cautela, tentando ao máximo não atrair nenhuma atenção desnecessária porém alguns espíritos começam a me seguir. Alguns em silêncio, outros mais curiosos.
- Por quê você está aqui, elfa viva?
Eu me esforço para ignorar, pois aqui no imaterial é muito difícil manter a concentração e não posso perder o foco, estou em uma corrida contra o tempo.

Ao me aproximar do templo principal, una estrutura que se destacava mesmo em sua decadência, senti um peso no ar, como se as memórias e os espíritos do passado ainda vagassem por ali. As colunas de mármore negro, parcialmente desmoronadas, erguiam-se como sentinelas silenciosas, guardando a entrada para o reino dos Evanuris, os auto intitulados Deuses Anciões.
Espero não me deparar com nenhum dos Anciões, mas não tenho ideia do que me espera.

Segui as luzes até um grande salão com uma escadaria lateral.
Uma iminente construção antiga, decadente porém conservando uma beleza antiga, imortal.
Ouço ruídos etéreos, fazendo um arrepio frio correr minha espinha. Meu instinto é de fugir mas isso não vai acontecer.
Ao longe vejo, no alto de uma escada espiralara ao redor do grande salão principal e dois altares representando duas elfas. No alto das escadas um mezanino se forma, quando avistei duas entidades, altas e femininas, com uma aura espectral que apenas a visão fez meu sangue congelar nas veias. Caminhei bem devagar até a base da grande escadaria em espiral, enquanto as duas apenas observavam.

A primeira entidade elfica, possuía uma beleza selvagem e indomável. Seus olhos eram como fogo líquido, cintilando com uma ferocidade que fazia meu coração disparar. Sua figura esbelta e musculosa, adornada com peles e plumas, exalava uma força primitiva que intimidava e fascinava ao mesmo tempo.

- Quem é a filha da natureza que adentra a nossa morada? - sua voz ecoou por todo o salão.
Com a respiração suspensa dobrei os joelhos e baixei a cabeça.

- Perdoe-me pela visita sem anunciação, meu nome é Nadia Lavellan e venho do outro lado, do lado dos mortais.

A bela elfa desce alguns degraus da longa escadaria.

- Sou Andruil, conhecida por muitos como deusa da caça.

Ao seu lado, a outra elfa que emanava uma serenidade enigmática. Seus cabelos negros como a noite caíam em cascata sobre seus ombros, e seus olhos profundos e verdes brilhavam com um conhecimento antigo e arcano. Ela parecia ser uma encarnação da própria essência da magia, sua presença era ao mesmo tempo bela e assustadora.

- Sou Sylaise, a guardiã da trama vital e da magia. O que veio buscar, Nadia Lavellan?

Com muita apreensão inicio minha demanda, sentindo que estou aqui para o que for necessario.

⁃ Grandes deusas vos imploro, àquele que possui meu coração foi amaldiçoado e dança com a morte prematura. Seu orgulho será, sim, sua ruína, mas acredito que ele pode ser redimido. Vos suplico, permita que eu possa faze-lo! Ao custo de que desejares, vos entrego em sacrifício.

Minhas palavras saíram como uma suplica desesperada. As anciãs me ouviram em silêncio, e após um momento que pareceu uma eternidade, Andruil falou primeiro.

⁃ Uma alma pura e um coração cheio de emoções. Pobre filha da terra que foi prometida à um destino tão cruel. Para obter o antídoto, você deve sacrificar algo de grande valor. - disse ela, sua voz ecoando pelo templo como o rosnado de uma fera.

Sylaise assentiu, acrescentando:

- Filha da terra que escolheu caminhar pelas sombras, seu caminho é doloroso. Para mim, você deve sacrificar o fogo que te cobre.
Seu olhar fixou-se em meu cabelo ruivo, longo e espesso, que se destacava mesmo na penumbra do templo.

E Andruil completou, com um brilho perigoso nos olhos:
⁃ Não serei generosa como minha irmã, pois escolheu esse caminho como seu. Para mim, você deve sacrificar a vida dentro de você.

Meu coração afundou. 'Sacrificar minha vida?' A ideia de deixar de existir, de não poder cumprir minha promessa me fizeram tremer. Mas eu sabia que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Nunca houve dúvida sobre isso. E a possibilidade de não poder salvar quem eu amava era maior que meu medo.
- Eu... Não posso deixar essa vida sem a garantia de segurança para àqueles quem jurei proteger... Que meu coração, digo, aquele quem amo e esse mundo seja salvo. Se for assim farei qualquer sacrifício que for necessário.

Observo as duas se entreolhando, Andruil esboça um sorriso enquanto Sylaise concorda com a cabeça.
- Pequena elfa filha da terra - a voz de Sylaise soa suave e gentil - Coração cheio de amor e dor. Minha irmã e eu podemos ser generosas.
A outra entidade caminha em minha direção e exibe uma expressão suave.
- Deseja ter o poder para proteger os seus ao custo de qualquer sacrifício. Que assim seja.

Sinto o peso da minha decisão em meus ombros. Peguei minha adaga e com um gesto firme, cortei meu cabelo na altura das orelhas. Cada mecha que caía parecia levar um pedaço de minha alma, mas depositei o cabelo no altar de Sylaise, sentindo um peso sair de meus ombros ao mesmo tempo que uma nova responsabilidade surgia.

Depois, me ajoelhei diante do altar de Andruil e fechei os olhos, esperando o golpe fatal. Ouvi os passos lentos, mas as batidas do meu coração soavam mais alto. Senti um toque suave em minha barriga. Abri os olhos para ver Andruil com uma expressão que misturava piedade e sabedoria.

⁃ Está feito. - disse ela, entregando-me um cristal luminoso turquesa. Era o antídoto, mas eu ainda estava viva.

Confusa, olhei para ela em busca de respostas.
- Mas... Eu não...
Ela me lança um olhar piedoso.
⁃ Eu só precisava de uma vida. - explicou Andruil, e seu toque na minha barriga fez a verdade me atingir como uma maré avassaladora.

Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. A vida que eu tinha sacrificado não era a minha, mas a de uma criança que eu ainda não sabia que carregava.
- Agora, filha da terra, temos algumas instruções para você. - Andruil toca o meu ombro, me guiando pelo templo.
Se passou uma eternidade em um segundo.
Recebi as instruções e o antídoto, uma bela pedra de cor violeta, como seus olhos.
Com o cristal em mãos e o coração pesado, levantei-me, pronta para a jornada de volta. Caminho de volta em transe, me sinto vazia. Vejo o mesmo espírito errante que estava comigo antes.

- Acho que os antigos sabiam...

Eu não entendo mas não me importo mais.

As ruínas da cidade negra agora pareciam ainda mais melancólicas, um reflexo da minha própria dor. Mas eu tinha o antídoto, e com isso, uma chance de redenção, ainda que o preço pago tenha sido além do imaginável.

Sob o véuOnde histórias criam vida. Descubra agora