Sáfico | Cartas de Amor

1- O circo Épicus está de volta

[Carola] Fala ouvintes da rádio Canjuca! Carola na área. Vim desejar um dia caloroso a todos vocês, meus amados moradores da cidade de Vicência. Quer dizer, nem todos. Vitor, eu não esqueci que você está me devendo os oito reais do salgado de carne seca da cantina da Dona Vera. Eu sei, oito reais é um assalto. Vera aproveitou a oportunidade perfeita para subir nas alturas o preço sem que ninguém notasse. Afinal, vocês canjuqueiros só falam de uma única coisa. O circo Épicus, dono dos espetáculos mais insanos - o mesmo que o Seu Tadeu diz ter visto quando menino o domador de animais enfiar a cabeça inteira dentro da boca de um leão - está de volta na cidade depois de décadas e é por tempo indeterminado. Felizmente, os espetáculos com animais não são mais permitidos, mas garanto que ainda tem muita coisa impressionante para assistir. Espero ver todos vocês no circo. Um abraço, e até mais.

Essa é Carola, a locutora da rádio Canjuca e a menina mais legal da minha escola. Acho que todos os estudantes gostam dela, a Carola faz parte dos grupos mais diversos do ensino médio - os inteligentes, os "famosinhos", os atletas, os esquisitos e o meu.

Sabe aquela pessoa que marca presença em todas as festas do pessoal superficial e popular, mas também participa das mais variadas competições estudantis, vencendo até mesmo dos alunos mais nerds da face da Terra? Então, essa é ela. Talvez ela não seja tão especial aí na sua cidade. Mas eu moro em Vicência, e aqui todo mundo é extremamente sem graça e mediano. Qual foi?! Todos os habitantes (exceto eu) desse fim do mundo estão completamente insanos com a volta de um circo que já perdeu há anos sua popularidade. Mas não aqui. Em Vicência esse evento está sendo tratado quase como se fosse a volta de Jesus.

— Bom dia, Seu Tadeu!

Seu Tadeu se levantava do banquinho velho de madeira, desligando o rádio antigo que antes transmitia a voz vívida de Carola por toda banca de jornal.

— Bom dia, Eva. O mesmo de sempre? — indagou, colocando os óculos de leitura na cabeça.

Dei um sorriso como confirmação.

Ele então enrolou o jornal com cheirinho de papel novo, o enfiando na minha bolsa carteiro verde musgo, junto com um maço de cigarros mentolados. Os grandes vícios de papai.

— Animada com a chegada do Épicus, Gregorinha?

"Gregorinha" é o meu apelido que ele me deu por achar que sou a cópia exata de Gregório, meu pai, desde quando eu mal tinha altura o suficiente para Seu Tadeu conseguir me enxergar do outro lado do balcão.

— Ah Seu Tadeu, eu detesto circos. Não aguento mais. Até Melina e Pietro estão tentando me convencer de ir nisso, você acredita?!

— Você não existe mesmo — ele torcia o nariz — Eu com meus dezessete anos era maluco pelo Épicus. E confesso que apesar de velho, ainda estou ansioso para assisti-los.

— Até você, Seu Tadeu? — Encarei incrédula sua figura bem humorada atrás da janela da banca. — Achei que nós fãs das obras do realismo brasileiro curtíssemos a vida de uma maneira mais objetiva, sabe? Sem essas graças ilusionistas.