A porta do armazém que eu e Pietro sempre nos escondíamos de Fabrícia, foi arrancada com
tudo, exibindo uma espécie de comandante de exército com os cabelos presos meticulosamente com gel.— Vincente Rio, posso saber por que você não está na recepção? — disse a tirana em tom passivo agressivo (que é tipo a coisa que mais me tira dos nervos).
— A Eva teve uma queda de pressão. — Rio respondeu de bate e volta, me fitando com olhos desesperados.
Já que eu lido "super" bem com esse tipo de situação inesperada, me ocorreu a brilhante ideia de simplesmente fingir desmaio. Sério, quem foi que colocou meu nome na cruz? Porque eu to pagando o carma da nação inteira somente no dia de hoje.
— MEU DEUS, SEGURA ESSA GAROTA! — Fabrícia gritou ainda da porta, sem se mover um centímetro sequer para tentar impedir minha queda. Agora eu já sei que se um dia eu desmaiar de verdade, é melhor que esteja bem longe dela e de Seu Tadeu (daqui a pouco explico essa história). — Vou chamar a enfermagem! —anunciou, enquanto Rio me segurava pelos braços. Sério, quanta humilhação.
— Não precisa... — falei em tom brando, me levantando baqueada com a melhor atuação de quinta categoria que eu consegui. — Já to melhor.
— Pai eterno! — Fabrícia fez sinal de cruz — Você tá até azulada. Isso não tá certo não. — Ela colocou metade do corpo pra fora, gritando por sei lá quem.
— Não! Isso é normal, Fabrícia. Toda vez que minha pressão cai, eu fico assim. Fica tranquila. — Eu conseguia escutar Rio soltando pelo nariz aquela expiração de quando se segura a risada. — Eu só preciso de um momento pra respirar sozinha, por favor.
— Claro. — Ela afastou com a mão a pessoa que devia estar vindo do corredor com a mesma sutileza de um coice de cavalo. — Mas depois peço para que vá pra sua casa, porque só o que me faltava era você passar essa coisa aí pros velhos e fazer a gente gastar com hospital e medicamento — disse a tirana , como sempre, sendo um poço de amor.
Mal deu tempo da Menze girar com aquelas unhas super hiper mega longas (é sério, não sei como ela vive com aquilo), a maçaneta da porta que eu e Pietro deixamos escapar toda a risada segurada.
— Sades, o que você estava fazendo no circo? — Vincente interrompeu os risos.
— Nada demais... — falei fingindo desinteresse, enquanto devolvia a garrafa de álcool a prateleira.
— Sei lá, você tá meio estranha... — Ele tinha um semblante pensativo — Todo mundo sabe que daqui uns meses o Épicus vai embora. Você não tá nem doida de ser apaixonar por alguém de lá, né?
— Pelo amor, parece até que não me conhece — respondi, revirando involuntariamente os olhos.
Eu e paixão na mesma frase?! Fala sério! Vincente se acha o guru do amor, só porque acerta a maioria dos casais que se formam no ano, antes mesmo de qualquer pista. Mas alguém que namora Tereza Menze, pode entender de tudo, menos paixão.
E por falar em Menzes, sei que Fabrícia tinha me mandado pra casa, mas eu realmente precisava ver minha grande amiga. Senhorita Sartre. Que não é ninguém menos que Cecília Sartre. É sério, eu juro que sou amiga dela.
O grande ícone do MPB brasileiro, recordista de vendas dos discos nos anos 70, e amiga íntima dos maiores nomes da música brasileira é também minha amiga. Eu sei, eu sei. Cecília sumiu de todos os holofotes há anos. Mas ela tá em Vicência, eu garanto.
Eu também fiquei pasma quando ela simplesmente apareceu no clube de leitura. Nesse dia eu nem tive que fingir desmaio, foi simplesmente inevitável. Mas ao contrário de hoje, ninguém me segurou. Eu caí com tudo no chão na frente da minha maior musa.
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Sáfico | Cartas de Amor
RomanceEva Sades vive em plena monotonia na cidade de Vicência - o lugar onde nada acontece. Até que, para sua supresa, após décadas longe de Vicência, o circo Épicus decide retornar a cidade, agitando todos os moradores, que cresceram aos contos dos espe...