Quarto 29. Olhei mais uma vez para o número da porta. Que nem o de Cecília Sartre.
Girei a maçaneta sorrindo, pensando nela e em Neusa Santiago. Mas o sorriso logo se esvai. Ainda estou superando o fato de Neusa ter posto Carola e Mencia juntas.
— Que cara é essa?! — Pietro deitado supostamente na minha cama, já que Melina estava na outra, pergunta.
— Achei que só garotas pudessem ficar nesse corredor — digo, empurrando ele para o lado da parede, e me deitando.
— Ele não aguentou 5 segundos no quarto com o Vitor — diz Melina. — Aí veio correndo para cá.
— Como não? — indaguei, perplexa. — Tipo, não estou dizendo que eu apoie. Aquele garoto é um saco. Mas você passou todos esses anos obcecado nele. É sua oportunidade perfeita.
— Deve ser. — Pietro falou, indiferente. — É que agora eu acho que ele seja mesmo gay. Tipo, ele elogiou meu óculos. E não foi um elogio "Massa seu óculos, cara" — Pietro engrossou a voz. — Foi tipo, "Adoro o estilo contemporâneo dessa armação, o formato panthos ornou muito com seu rosto. — Ele fazia uma careta.
— É... Isso foi bem gay — Melina concordava, sorridente. — E isso pareceu um flerte. Meu Deus, Pietro! Você tem chances reais.
— Eu não quero chances reais. — Ele bufava, se mexendo inquieto na cama. — Eu quero só idealizar. A gente mora em Vicência, eu não posso ficar de verdade com um cara.
Nossa, eu só... Eu não imaginei que Pietro pensasse assim. Não mesmo. Porque se ele não pode estar com um garoto, isso significa que eu também não posso estar com uma garota.
— Eu não posso ficar com um cara que more aqui. — Pietro tentava consertar. — Uma coisa é pegar alguém do circo — continuava. — Daqui a pouco eles vão embora. Não é como se eu fosse ter um relacionamento com algum deles.
Melina fingiu tossir, tentando chamar atenção dele.
— No meu caso, é claro. — Ele dizia, tenso. — Eva, você e Mencia são diferentes. Eu tenho certeza.
Eu tentava não me afundar nas palavras de Pietro. Desejando escancarar bem na cara dele o quanto ele estava errado, desconexo, equivocado. Maluco.
Minha cabeça trazia o rosto de cada um de Vicência. Cada pessoa que eu conhecia, ou via na farmácia, padaria, mercado, em qualquer lugar. Qualquer um como nós, que tivesse uma família, levasse o filho à escola ou o cachorro para dar uma volta. Que se amasse sem se esconder. Mas só me vinha Cecília e Neusa. E o quanto especialmente elas pareciam solitárias.
— Eu não sabia que você pensava assim. — Foi a única coisa que eu disse.
Melina separada de nós por uma cabeceira entres as camas, nos olhava. Um olhar triste, pesaroso. Tentando buscar por algo para dizer.
— Vocês podem amar quem quiserem — Falou, enfim. — E se disserem qualquer coisa, eu acabo com todos.
Eu e Pietro rimos. Mas era uma risada triste.
— Eva... — Ele hesitava. — Eu só estou confuso — disse. — Como eu iria imaginar que o Vitor era mesmo gay?!
Eu e Melina trocamos olhares. É o que o Vitor... Bem, eu tinha certas desconfianças. Mas não queria soar estereotipada.
— Tudo bem, eu devo ter o pior gaydar do mundo. É sério, eu fiquei uns três dias completamente passado que você gostava de garotas. Mas era tão. Mas tão óbvio. — Ele ria, meio incrédulo. — Era óbvio. — Ele suspirou. — Assim como o Vitor deve gostar de garotos ou sei lá. É que bem... Acho que só o escolhi, porque ele parecia hétero e impossível. E eu não posso me apaixonar por um menino na nossa cidade. Não com os meus pais lá. Não quando eles... Bem, vocês sabem.
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Sáfico | Cartas de Amor
RomanceEva Sades vive em plena monotonia na cidade de Vicência - o lugar onde nada acontece. Até que, para sua supresa, após décadas longe de Vicência, o circo Épicus decide retornar a cidade, agitando todos os moradores, que cresceram aos contos dos espe...