7 - Algumas omissões não faz mal, né?

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Eu não conseguia entender como era possível que desde que havia saído do Épicus a única coisa que tinha espaço na minha mente era aquela bendita trapezista. Tentei fugir de lá o mais rápido possível achando que isso resolveriam as palpitações no meu peito, mas toda vez que pensava nela, elas estavam lá. Ou seja, o tempo todo.

Sabe, na hora eu realmente achei que meu coração fosse pular pra fora de tão rápido que batia. E levando em consideração o que vem acontecendo comigo, não era tão impossível assim.

É sério, não é normal. Sem dúvidas eu devo estar sob o efeito de algum feitiço ou algo do tipo. O que mais explicaria esse turbilhão de sensações não requeridas?!

Certa vez, eu ouvi Seu Tadeu dizer que há centenas de anos atrás existiam bruxas em Vicência. Mas esse homem ao contrário de mim, que não creio muito em nada, acredita em absolutamente tudo. Então não dá pra confiar muito, sabe?

E outra, a religião católica é muito forte desde os primórdios dessa cidade. Essas "bruxas" deviam ser mulheres à frente da época que acabaram sendo injustiçadas por não serem convencionais como pedia a igreja. Também Mencia não é de Vicência, ou seja tem que ter outra explicação.

Eu definitivamente preciso pesquisar mais a fundo. Mas não agora, porque eu ainda tenho que chegar a tempo no trabalho. Então, por favor Mencia Épicus sai da minha cabeça.

Ao contrário do meu estado caótico, a recepção do lar de idosos era de uma serenidade sem igual. As paredes de cor branca eram iluminadas pela luz natural que vinha das largas janelas que davam pro extenso campo verde. Os móveis refinados e em tons claros foram escolhidos pela mãe das Menzes, uma arquiteta muito renomada, deixando o espaço com cara de extremamente acolhedor. E para fechar o combo, aquele lugar sempre tocava Jazz em som ambiente. E nós, funcionários, não podíamos nem falar em um tom mais alto que o de um sussurro para não atrapalhar a sonoridade. Era um inferno disfarçado de paraíso.

No momento em que coloquei os pés naquele piso de madeira escura, Vincente Rio me fitou já sentado na bancada branca e chique da recepção.

Ele era assistente de recepcionista e recebia mais que eu que arrumava todos os quartos daquele lugar. Tá entendendo tamanha insatisfação?! Enquanto Rio ficava lá sentadinho, eu tirava os edredons sujos das camas. E ainda sim, recebia menos. Maldita Fabrícia Menze.

Vincente assim que me viu não esperou nem um segundo para descer da cadeira bizarramente confortável da recepção em um só pulo, me puxando para o armazém.

Tá, não dá mais pra esconder.  Olha... Talvez eu tenha omitido algumas coisas.

— Por Cristo, onde foi que você se enfiou?! — Rio estava com os olhos extremamente esbugalhados, parecendo aqueles bonequinhos cabeçudos que a galera coloca no carro, o que me fez ter vontade de rir.

— No circo... — falei hesitante.

— Eva, sua cara ainda tá toda azul. Meu Deus! — Ele pressionava com os dedos as têmporas. Senhor, acho que esse garoto vive sob mais nível de estresse que eu.

— Eu sei, ué. — respondi, enquanto ele virava as costas para mim, fuçando em uma caixa da prateleira com álcool.

— Tira isso do seu rosto. — Ele abriu uma gaze, despejando um pouco do líquido em cima para me entregar. — Onde você estava com a cabeça?! Você simplesmente não voltou para terminar a prova da Neusa. Eu não estou nem te reconhecendo. O que rolou?!

— Meu Deus, Vincente. Calma! Isso não é o fim do mundo. — falei enquanto esfregava meu rosto com a gaze. Caraca, até arrepiei. Eu dizendo que algo não é o fim dos tempos é tipo as Menzes sendo gentis. Sei lá, acho que talvez o Épicus seja mesmo surreal como disse Seu Tadeu. De uma coisa eu realmente sei, aquele lugar tinha algo de muito envolvente, que de alguma forma acabou me contaminando com isso.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora