19- Operação Carta: Parte 1

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A baderna na inauguração do Parque de Diversões deve ter modificado a estrutura dos meus tímpanos, porque, honestamente, o silêncio no Lar do Menzes chegava a incomodar.

Normalmente a recepção é o lugar mais agitado, mas tivemos que entrar pelos fundos, já que eu trouxe Mencia Épicus às escondidas para cá. Então além da trilha sonora do ambiente, não tinha muito o que ouvir.

A essa hora do dia os idosos estão na área externa ou na natação. Mas não é como se eles fossem alguma preocupação. Meu verdadeiro temor era dar de cara com a minha chefe nos corredores.

Subimos rapidamente as escadas de piso antiderrapante até o segundo andar, onde fica o quarto de Cecília Sartre.

Seguíamos ao encontro dele, até que quando passávamos pela porta 16, escutamos o rangido de uma chave girando. Coloquei por impulso meu corpo na frente de Mencia Épicus em uma tentativa improvável de escondê-la seja lá de quem fosse que sairia daquela porta.

— Eva, que bom ter ver. — Dona Denise surgiu do quarto. — Você trouxe um coleguinha foi? — Ela tentava espiar quem estava atrás de mim.

Droga. Eu adoro ela, mas assim, meio que estamos diante da senhora mais fofoqueira desse lugar.

— Ah... Não... Eu... — Minhas palavras simplesmente pareciam ter desaparecido.

— Eu vim para a entrevista de emprego — Mencia anunciou, saindo das minhas costas. — Por isso a Eva está me apresentando o espaço. É um prazer te conhecer — ela estendia o braço para um cumprimento.

— Que rapazinho mais educado que você é — Dona Denise disse, correspondendo o gesto.

Mesmo que não fosse por mal, era um incômodo ver ela confundir o gênero de Mencia e não saber o que fazer. Encarei de canto a trapezista, tentando buscar por alguma pista em seu rosto que me dissesse o que dizer. Mas não tinha nada. Apenas um sorriso gentil.

— Ela é muito educada mesmo — digo, torcendo para não ter só complicado mais a cena.

— Ah...  — A boca de Dona Denise está entreaberta e ela tem um semblante meio pensativo, enquanto claramente analisa Mencia dos pés a cabeça. — Você já entregou a carta para José? — pergunta a senhora claramente tentando mudar de assunto. — Ele está mais espevitado pro meu lado, acho que esse correio do amor é dos bons mesmos. — Ela ri, enrugando ainda mais o canto dos olhos.

— Pois é, Dona Denise... — Coloco o dedo indicador no canto do lábio, enquanto faço uma cara desconfiada. — Por falar em José... esse quarto que a senhora acabou de sair não é dele?

Dona Denise é branquinha que nem eu. Então, quando ela fica envergonhada, a bochecha fica toda corada.

— Que nada, menina — diz a aposentada. — Acho que Penha tá lá embaixo me esperando, melhor eu ir logo né — anuncia ela, querendo escapar da conversa.

— Aiai Dona Denise, tô de olho em você — brinco. — E TAMBÉM EM JOSÉ — gritei para me certificar de que ele ouvisse atrás da porta.

Dona Denise saiu rindo toda sem graça, enquanto arrastava a sandália nos degraus da escada.

E somente quando não escutamos mais o barulho da borracha pressionando o chão, que caímos na risada.

— Que velhos safados — Mencia fala.

— Ei, respeito! — Dei uma cotovelada nela.

— Nossa, toda certinha você. —  Ela tem um rosto tão cínico que chega a dar raiva. — Nem parece ser a rainha da depravação.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora