6 - Talvez ela saiba mais do que eu imaginava

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Sem dúvidas eu assistiria o vai-e-vem daqueles cachos ao alto a vida inteira. Porque se aquela garota fosse um filme, seria o meu favorito. Eu até faria um DVD. E olha que nunca nem fui cinéfila.

Na verdade, bem longe disso. Nunca nem vi a maioria dos clássicos. "A vida é bela"? Nhem. "Dez coisas que eu odeio em você"? Aff. "Como perder um homem em 10 dias"? Hum... O título mais promissor, mas é romance, então tô fora.

É sério, eu real não estava acreditando que aquele circo iria lotar tanto assim no sábado, porque dava pra comprar com o preço de um só ingresso uns 15 litrões de Lokhan no bar do Michel. Sábado é dia da promoção das cervejas, e sexta da capirinha dose dupla. Aquele negócio sim lota pra caramba.

Pode ser que eu esteja subestimando demais o Épicus. Mesmo assim, eu ainda acho que eles só não fizeram a abertura dos espetáculos na sexta, porque sabem que o bar do Chechel é imbatível contra eles. Juro, todo mundo espera a sexta como se fosse o parto de uma criança.

A criança no caso é o alívio da vida monótona dos jovens de cidade pequena. Não que eu ache de todo mal a vida aqui, mas afogar minhas incertezas sobre a faculdade e o meu futuro em cerveja barata é tipo o céu na Terra (ou em Vicência) para mim.

Infelizmente essa sexta é a minha de arcar com as cervejas. A gente reveza as semanas em quatro pessoas normalmente. Eu, Pietro, Melina e Carola.

Carola é quase uma agregada, ela vai mais pela bisca e pela Lokhan. Não que ela não seja nossa amiga. É aquele negócio, quem é amigo de todo mundo, não é muito amigo de ninguém. Mas mesmo que não sejamos tão próximas, eu realmente gosto dela. Ela é engraçada, divertida, mas mais que isso, ela é a única realmente capaz de competir comigo nos jogos de baralho. Embora eu ganhe na maioria das vezes. Tá bom, normalmente é uma disputa bem acirrada.

Por isso estou levemente torcendo pra Carola não ir, porque se o jogador da semana vencer, ele não precisa pagar os litrões. Ou seja, eu preciso ganhar. Com a merreca que sobra do meu salário, e os gastos desnecessários em pastel da Dona Maria, não tinha como sobrar muito para a cerveja e o ingresso do circo.

E como boa hipócrita que sou, eu meio que agora estava curiosa em assistir esse espetáculo. Mas somente porque o que eu estava vendo naquele momento era muito bom. A garota tinha uma excelente técnica.

Enquanto ela se pendurava no trapézio apenas pelos pés, eu cheguei a até calcular mentalmente a provável quantia arrecadada na venda de todos os assentos, pensando em quantos anos eu teria que trabalhar para poder assistir todos os espetáculos sozinha, mas só porque é uma dúvida comum. Não que eu realmente quisesse assistir sozinha aquela garota de top preto de academia de ponta a cabeça, destacando as costelas aparentes e aqueles braços. Tipo, nada a ver.

Tá, talvez eu tenha ficado levemente insatisfeita quando percebi que estava tendo que dividir a oportunidade de ter aquela visão só para mim com outro alguém.

O barulho do baque da bengala de aço contra o chão tinha me convidado a virar para trás. Meus olhos foram ao encontro de um homem de mais de meia idade vestido com roupas pretas e... Nossa, isso é uma capa nos ombros dele? É, pelo visto sim. Uau, que figura... excêntrica.

Eu me reconheci em algo nele. No fascínio em que ele assistia a menina que mais parecia onírica. Só não na escuridão dos olhos que cruzaram com os meus assim que virei em sua direção. Olhei, incomodada, em relance para o trapézio, e para meu pesar, a garota já não estava mais lá.

— Mencia Épicus é por si só o espetáculo. — O homem quase sussurrou. E eu não consegui entender se ele estava falando comigo ou tinha apenas deixado um pensamento sair em voz alta, por isso nem me dei o trabalho de responder.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora