28- Voracino Junino

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A sala preenchida por troféus se projetava na minha frente. Um vidro que ia do mármore ao teto exibia todos eles. Dourados, pratas, acadêmicos, olímpicos, antigos e recentes. Uma quantidade que nem se minha escola começasse a implementar o modelo esportivo russo conseguiria alcançar.

Era impressionante, mas assim... O que eu tinha a ver com isso?

— Legal — falei, ainda encarando o vidro com os prêmios, ao lado de Mencia, que fazia o mesmo. — Mas, afinal, o que nós estamos fazendo aqui?

— Pesquisa de campo.

— Pesquisa de campo?

— É, pesquisa de campo. — Ela se virou na minha direção.

— E o que a gente está pesquisando? — indaguei, confusa.

Mencia estreitou a visão sobre mim, em um sorriso que exalava encrenca.

— Eva Sades — Ela quase dobrava a língua, tamanha eloquência que anunciava meu nome.

— Eu sou a pesquisa de campo?! — exclamei, perplexa.

— Corretíssimo. — Ela deu um sorriso cínico, por trás da prancheta que só agora eu percebi que ela segurava. E então, ajustou a postura, tentando mostrar seriedade.

— Eu tenho certeza que não é assim que funciona uma pesquisa de campo — ponderei.

— Não é você quem faz as perguntas. — disse. O cenho franzido, enquanto tamborilava a caneta na folha que não deixava eu espiar.

— Não foi uma pergunta. Foi uma constatação.

— Não é você quem faz as constatações. — Ela deu um toque com a ponta da caneta no meu nariz. A língua atrás dos dentes, emoldurando um sorriso.

Eu inevitavelmente revirei os olhos.

Em que momento ela aprendeu a ser tão irritante?

— Primeira pergunta. — Ela limpou a garganta. — Quem foi sua primeira obsessão platônica?

— A prima tatuada da Melina.

— E no cinema?

— Alice Braga.

— Desde quando?

— Cidade Baixa.

— A que ela faz a prostituta?! — Mencia ria.

— É... — assenti. — Que tipo de pesquisa de campo é essa?

— A minha. — Ela dava de ombros. — Qual seu livro favorito?

— O Sedutor do Sertão. E o seu?

— Todos.

— Impossível.

— Por que você foi embora do hospital quando eu te pedi para ficar? — indagou. Os olhos nos meus.

— Porque... — Eu sentia como se tivesse engolido todas as palavras. Uma sopa de letrinhas boiando no ácido estomacal. Tosco e humano. — Eu... — Malditas letras incapazes de formarem palavras. — É... que eu achei que se eu fosse embora, você não conseguiria fazer isso.

Ela suspirou.

— Eu não vou embora, Eva Sades.

— Promete? — Eu quase suplicava.

— Prometo.

Ninguém pode prometer algo assim.

Mas eu nem me importava.

— Última pergunta — Mencia disse. — O quanto você está animada para o show da Lena?

— Meu Deus! — exclamei com a mão na testa. — É hoje?!

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora