16- Descobertas

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Por que nos importamos tanto assim com o que as pessoas pensam?! Ainda mais quando falamos em público. E isso é uma autocrítica. Tipo, nem faz sentido. Metade dos alunos do Vicentino tem um cérebro, para dizer o mínimo, defeituoso.

Juro, os meninos da minha turma batem a cabeça propositalmente no quadro só para competir quem consegue fazer mais barulho.

E eu to com medo do que essas pessoas vão achar da minha ideia para arrecadar dinheiro para Vorace? Fala sério, Eva Sades. Você é inteligente, esperta, articulada. Você vai conseguir!

— Eu não vou conseguir — cochichei em pé para Pietro que estava do meu lado na frente de toda sala.

— Garota, você vai sim. Porque eu não deixei de maratonar "De Frente com Blogueirinha" atoa não.

Tá legal, eu vou conseguir. Um, dois, três, e...

— Bom dia, gente! Como sabem a viagem foi cancelada por falta de...

Meu Deus. Eu esqueci que esse povo, assim como eu, estava suspeitando muito a nova aquisição do pai de Carola coincidir com o cancelamento da viagem. Só foi eu tocar nesse assunto que os burburinhos eclodiram, fazendo minha voz perder o alcance.

Em uma fração de segundos, a sala foi ganhando mais e mais altura. E eu me encontrava em total desespero, enquanto assistia Carola já se levantando para discutir com seja lá quem.

Pois é, nossa queridíssima radialista estava passando por alguns problemas no reinado, devido às atuais atitudes de seu papai. E eu estava achando o máximo. Até isso comprometer minha apresentação, é claro.

— Eva, você vai conseguir. — Pietro falava em tom alto, já que ninguém estava mais nos escutando. — Se tem uma pessoa que é capaz de convencer essa sala de algo é você. — Ele apertava minha mão.

Mora Mor, é sua última chance de me provar que "Como desenvolver a líder felina que você é" funciona.

— GENTE! — Dei um berro, chamando atenção dos 30 alunos daquele lugar. — Se vocês querem discutir, vão em frente. Mas isso não vai mudar o fato de que não vamos ter a viagem para Vorace e nem uma festa junina. É nosso último ano, cara. Não conseguimos nos unir nem por um bem em comum?!

— A gente não precisaria fazer nada se o diretor não tivesse roubado o dinheiro da viagem para comprar um carro. — A voz de Tereza Menze surgia do fundo da sala.

Uau. Primeira vez que concordo com a gêmea raivosa. Mas ela nunca saberia.

— Quais as provas reais que vocês têm contra o diretor?! — indaguei. — Acusações vazias não vão nos levar a lugar nenhum. Todo mundo aqui quer a viagem para Vorace, certo?

A sala assentiu em sincronia, exceto por Tereza, que não parava de revirar os olhos.

— Eis então a minha ideia — apontei para o cartaz que Pietro segurava.

— Um correio do amor?! — Vitor fazia uma cara cínica. — Essa é sua grande ideia, Sades? — Ele deixou uma risada sarcástica escapar no final da frase.

— Um correio do amor para a terceira idade — falei confiante.

— O que é muito pior — Ana Menze disse.

— Sim! Desde quando velho se apaixona?! — Tereza Menze como sempre de uma sutileza sem igual.

— Obrigada! Essa atitude de vocês só prova o meu ponto. As pessoas acham que quando envelhecemos perdemos a capacidade de nos apaixonarmos. E Meu Deus. Isso está tão longe de ser verdade. Eu sei de tantos idosos no Lar dos Menzes que são perdidamente apaixonados uns pelos outros. Só que eles não têm coragem de dizer, de dar o primeiro passo. E não é só lá não. Vai me dizer que ninguém sabe que Seu Tadeu é maluco por Dona Maria?! Ou que Vera nunca vende o último doce de banana pois guarda para o Emanuel? Eu sei que já disse várias vezes não acreditar no amor. E também sei que sou uma grande hipócrita. Então, hoje já deixo avisado que serei um pouco mais. Mesmo que eu já tenha negado e repudiado o amor. Eu sei que ele existe, e mais que isso, eu percebi que ele é tudo que nós temos. O amor é a maneira que meus pais se entendiam pelo olhar. É quando papai aprendeu a trançar cabelos, pois eu já não tinha mais uma mãe para fazer isso por mim. É quando criança, Pietro arrancou um dente dele que ainda não estava mole, porque eu tinha vergonha de sorrir com a arcada bangela. É quando Melina deixou de passar o dia das mães com Suzana para me fazer companhia em um dos dias mais difíceis do ano para mim. O amor é quando Seu Tadeu lê todos os livros que indico. É nossas atitudes loucas, desesperadas e inconsequentes por alguém; é quando ainda não sabemos onde pendurar um quadro que ganhamos há 30 anos e é quando....

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora