20- Mentirosas

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Se hipocrisia fosse um chiclete, ele faria da minha boca a favorita. Seria mascado, engasgado e engolido com facilidade. Disputando espaço apenas com o essencial que corre pelos meus vasos: bebidas das quais nunca dei importância ao nome (e nem ao teor alcoólico).

E eu deveria ter pensado nisso tudo, porque álcool vai com muitas coisas, mas não com altura e nem roda gigante. Mas agora, arrependimento não vai interromper esse brinquedo de me levar a muitos metros acima do que eu deveria realmente estar.

— Você tá assustada? — indagou Mencia, sentada bem na minha frente, com uma expressão que tinha gosto de tudo, menos medo.

— Nada — respondi, segurando com tanta força a cadeira da cabine, que minha mão já estava começando a suar.

— Tudo bem. — Ela riu. — E tudo bem também se você estiver mentindo.

— Mas eu não estou.

— Tá bom. — Ela ria. — Perguntei só porque eu estou com medo.

— Sério?! — exclamei. — Ah, eu posso segurar sua mão então.

Acho que eu vou tirar roda gigante e segurar a mão de Mencia Épicus da lista de coisas pavorosas versão quando eu estou bêbada. Não garanto que ela poderá ser riscada da sóbria. Mas já é alguma coisa.

— Você já tá pronta pra subir no trapézio — Mencia falava, enquanto saímos da roda gigante.

— Vai sonhando.

— Eu aposto que você conseguiria.

— Eu tenho medo de altura.

— Nem tem.

— Tenho sim!

— Você mesma disse que não estava com medo.

— Eu menti.

— Não acho.

— Mas eu estou te dizendo, cara. Eu estava mentindo. E você não pode me julgar, porque você também estava.

— Eu?! Eu não minto.

— Até parece que você estava com medo daquela roda gigante, você é trapezista.

Mencia parou de andar, se apoiando no batente de uma barraca qualquer, e eu a imitei de uma maneira bem mais desequilibrada. Seus olhos me percorriam inteira. E eu posso jurar que ela parecia falar muitas coisas, mas nada saia daquela boca cheia de segredos. Acho que a gente diz, sem nada dizer.

— Vem, vou pegar algum lance pra ti. — Ela interrompeu o pseudo-silêncio, apontando com cabeça para o tiro ao alvo.

Eu segurava a mão dela, enquanto caminhávamos para lá, nos desviando das pessoas que andavam de um lado para o outro.

Mas eu devo ter esquecido dessa parte de desviar, porque quando vi, já tinha dado de cara em um homem do qual não reconheci de início.

O barulho da bengala encontrando o chão fez Mencia virar para trás. Eu abaixei correndo para pegar a bengala, e quando levantei, percebi quem era.

— Me desculpa — falei, entregando o bastão.

— Sem problemas. — Ela tinha um sorriso até gentil embaixo daquele bigode enorme.

Elias Épicus era uma figura bem interessante. Na primeira vez que eu o vi no circo, não havia reparado que para um cara de meia idade ele era até bonito, embora usasse um visual bem esquisito. Mas acho que as mulheres daqui não se importam, porque quando fui fazer a unha no salão essa semana, a única coisa que fazia-se ouvinte naquele lugar, era o nome do circense.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora