As paredes do freezer eram infestadas de graffitis com tinta neon. As luzes piscavam, balançavam, oscilavam.
No palco, uma banda de garotas tocava. Todas em seu fascínio indiscutível. Mas foi a guitarrista, dedilhando a guitarra em uma vontade insaciável. Não! Em uma revolta insaciável, que me absorveu por inteira.
Ana Menze, descoberta pela sombra da irmã gêmea, não apenas brilhava. Queimava. As faíscas em respostas de seus dedos em chamas na guitarra, incendiariam essa cidade inteira.
Eu errei. Não era Tereza Menze o diabo em forma de garota. Nunca foi.
— Vamos ficar loucos! — Carola ria, girando com os braços abertos.
Ela e Pietro se aproximaram do bar. Uma pessoa, com aparência andrógina, de dentro do balcão, conversava com eles, balançando o líquido de um drink.
Na pista, dançava gente de todo jeito. Garotos como Pietro. Meninas como Mencia e Astarô. Outras como eu. Todos diferentes, mas meio iguais. Sob a luz que revelavam seus rostos, mas não suas faces. Seus desejos, mas não os anseios.
Eles também sabem que a noite exige outros afetos.
— Seu céu ou seu inferno? — Mencia sussurrava atrás de mim.
— Ainda não decidi. — Eu me virava para ela.
— E eu, sou seu anjo ou seu demônio? — Os olhos eram de quem quer despir. No sentido mais íntimo. E não na banalidade de roupas.
— Depende.
— Do quê?
— Se você me vê assim — eu tapei seus olhos com a mão — ou assim — eu liberava a visão dela. As pupilas se enchendo.
— E em qual eu sou o demônio?
— Adivinha...
Ela abaixou o queixo, falava para a minha boca, como se desejasse controlar o que sairia dela.
— Você sabe que não devia ter roubado aquele prêmio, né? — indagava, com um receio que contaminava os poucos centímetros entre a gente.
— Não! — neguei, sem hesitar.
— Então você é meu demônio.
Eu me sentia acusada de uma infâmia.
— Por que? — indaguei, já aborrecida de todos agirem como eu fosse a errada nessa história. — Eu deveria fingir que não vi o jeito que olhavam para gente, que falavam sobre a gente? Eles que roubaram nosso prêmio. Você não entendeu isso?
— Você nem fazia questão daquele prêmio.
— Até ser importante para você.
— Era importante. Não vale de nada se não foram eles que nos deram.
— Por que, Mencia? Por que?
— Porque vai ser sempre assim — Ela ria. Uma risada que não parecia ser dela. — Você ainda não entendeu? Eles vão sempre te olhar assim se você estiver comigo. Porque eles estão sempre olhando daquele jeito para mim. Sempre, Eva. Meu Deus. Se eu tivesse empurrado aquela garota, as coisas teriam sido tão diferentes, porque...
— Ela que me empurrou primeiro.
— É, Eva. Mas nem todo mundo pode revidar.
— Então eu revido por nós duas.
— Você não pode!
— Meu Deus, eu não te entendo. Você queria aquele prêmio, e eu fiz tudo para que a gente ganhasse. Tudo.
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Sáfico | Cartas de Amor
RomanceEva Sades vive em plena monotonia na cidade de Vicência - o lugar onde nada acontece. Até que, para sua supresa, após décadas longe de Vicência, o circo Épicus decide retornar a cidade, agitando todos os moradores, que cresceram aos contos dos espe...