3 - Avalanche de (nem tanto) más decisões

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Aquela cena se repetia arrastada na minha mente, como se meu cérebro tivesse instantaneamente se viciado naqueles olhos exageradamente pretos. Sério, alguém precisa adicionar eles na lista de alucinógenos altamente perigosos. Isso deve ser uma questão de saúde pública. Ou algo do tipo, sei lá. O que eu sei é que precisam fazer algo.

Porque depois deles, toda minha capacidade matemática deve ter se perdido. Junto com o meu lápis, já que a garota o enfiou na bolsa antes de se levantar.

Ela entregou a prova para Neusa com um ar de extrema confiança, o que contrastava com as dezenas de rostos desesperados que residiam naquela sala.

Dado que minha distração tinha finalmente ido embora. Restou-se apenas eu e a folha em branco da prova de Pietro. E então, não demorou muito para eu ficar agoniada em encarar tantas operações logarítmicas não resolvidas.

Foi nessa que, em um ato mal pensado, peguei a avaliação com o meu nome e risquei forte em azul a minha assinatura. Escrevi em cima Pietro Castro Ramos, e deslizei a folha para ele no momento em que Neusa derrubou distraída a água da garrafa térmica em sua boca. Eu podia escutar ele dizer, mesmo com os lábios totalmente fechados "Que diabos você está fazendo, Eva Sades?". Eu não tinha a mínima ideia. Mas se alguém iria zerar aquela prova, seria eu.

Pietro caminhou com a avaliação em mãos em passos letárgicos até Neusa. Ele explicou algo para ela, que assentiu e colocou a prova embaixo das já entregues. Não sei qual desculpa mirabolante que ele inventou para ter rasurado o nome na folha. Mas tinha, milagrosamente, funcionado.

O que pensando bem, não era tão surpreendente assim, afinal o que não falta é imaginação na mente fanfiqueira daquele garoto. Uma vez Vitor elogiou o casaco dele, e ele passou semanas falando sobre onde vai ser o casamento deles e qual o tema da fantasia de casal pro carnaval. Sério, nunca vi um menino para nascer mais emocionado.

Quando ele finalmente cruzou a porta da sala são (quer dizer nem tanto) e salvo, não demorou muito para o lugar ir cada vez mais se esvaziando.

O relógio de parede de madeira escura parecia correr com os ponteiros. E os meus dentes ansiosos, acompanhavam o ritmo ao morder freneticamente a caneta na minha boca. Era até possível escutar o barulinho do plástico tentando resistir ao impacto. Droga. Exclamei mais alto do que pensava. A sala, mais uma vez, virou-se na minha direção.

A caneta havia estourado na minha boca, respingando boa parte da tinta no meu rosto e na prova. Sério, que maldição!

Talvez já tenha dado pra notar. Mas eu definitivamente não sei lidar com imprevistos. É como se minha mente simplesmente entrasse em curto-circuito e meu corpo desse pane total.

Por isso, sigo todos os dias à risca a mesma rotina previamente montada, e a qual não abrange situações que não tenham sido cuidadosamente postas nela. E isso inclui: ser quase pega pela professora, estar coberta de tinta azul, e certamente dar de cara com a garota com a nuca e olhos mais bonitos que eu já tinha visto.

Respirei cautelosamente, tentando avisar meu corpo que essa não era a melhor hora para entrar em colapso.

— Caramba, Eva. Você tá toda azul! — Vincente Rio parecia um enorme ponto de interrogação no outro lado da sala.

— Jura?!  — exclamei cínica.

Tudo bem, eu tinha sido meio babaca. Um pouco mais por ter sido com o Rio, o mais decente do lipstick.

— Recupere a compostura, Eva. — O som grave da voz de Neusa me recobrou. — Vá se limpar, por favor.

Levantei sentindo todos os olhares sobre mim. E para deixar a cena um pouco mais humilhante, arrastei sem querer a carteira quando me abaixei para pegar minha bolsa agora mais azul que verde, o que fez um som estridente e irritante ecoar por todo o ambiente. Só não mais irritante que o risinho das Menzes, que pareciam estar frente a situação mais engraçada de toda a vida delas.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora