A dona dos olhos mencianos se apoiou do lado do vitral da imagem de uma santa no final do corredor.
Nessa hora do dia, a luz que entrava por ele se irradiava em feixes arco-íris. Deixando tudo meio colorido.
Eu sempre fui péssima com a teoria das cores, mas tem coisas que são tão óbvias. É claro que o roxo seria atraído pela pele negra. O vermelho pelos lábios indecifráveis. Laranja nos olhos de jabuticaba.
— Caramba! — Mencia levantava a mão, brincando com os dedos com a invasão de cores que despontavam neles.
— Às vezes é até legal estudar em uma igreja que foi transformada em inferno. Inferno?! Quis dizer, escola — brinquei.
— Como pode? Até no inferno ter anjo?
— Ele foi criado por culpa de um, esqueceu?
— Sei lá. — Ela apoiou o corpo na parede, onde o vitral projetava as luzes. — Não entendo muito desses lances não.
— Nem eu — confessei, enquanto ria do jeito que Mencia tinha falado. Ela agia como se tivéssemos falando de sei lá, futebol. E não da criação do universo.
— Mas você não tem desculpa. — Ela franzia o cenho, enquanto deslizava na parede até atingir o chão.
— Por que não? — Imitei Mencia, também me sentando com as costas na parede.
— Seu nome é Eva. Você não é tipo a protagonista? A vilã de tudo?
— Sou sim — falei presunçosa, olhando-a por cima do meu ombro. — Eu sou a criadora da depravação.
— Ah, é? — Ela deu uma levantadinha nas sobrancelhas, fazendo uma cara de que tinha gostado do que eu falei.
— Não desse jeito! — exclamei, já sentindo minha bochecha esquentar.
— Eu não disse nada. — A trapezista ergueu as mãos como se estivesse se rendendo.
— Mas pensou.
— Pensei mesmo — Ela riu em seguida da minha provável cara vermelha. — Você vai me contar por que me chamou aqui, rainha da depravação?
— Ei. — Dei um empurrão no ombro dela. — Me respeita.
— Me respeita — ela imitou, fazendo o tom de voz mais estúpido e que definitivamente não se parece em nada com o meu.
Devo ter segurado a risada por meio segundo até cair em uma crise prolongada dela imitando a feição que eu fazia.
— Mencia — falei, interrompendo as gargalhadas altas. — Eu... — Firmei meus olhos nos meus tênis desbotados, abraçando minhas pernas. Nossa, como eu queria que a coragem fosse algo herdado. Minha mãe era tão corajosa, e eu tão covarde. — Eu... Eu queria te contar que...
— FINALMENTE TE ACHEI! — Carola anunciou lá do começo do corredor. — Nossa eu te procurei a escola inteira — reclamou ela, enquanto se aproximava da gente. — Fui no campão, nas quadras, na cantina, na enfermaria, no totó e nada. — Ela deu uma respirada cansada, apoiando as mãos na cintura. — Você tava aqui o tempo todo?! Não esqueceu que...
— Nossa. — Mencia se levantou em um pulo. — Eu tinha esquecido, foi mal.
— Tudo bem. — A radialista revirou os olhos. — Vamos logo, então.
— Eva, me desculpa. — Os olhos de Mencia pareciam os de um cachorro manhoso. — A gente pode acabar essa conversa amanhã?
— Claro — respondi seco, vendo Carola segurar a mão de Mencia, enquanto elas quase corriam para fora da escola.
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Sáfico | Cartas de Amor
RomanceEva Sades vive em plena monotonia na cidade de Vicência - o lugar onde nada acontece. Até que, para sua supresa, após décadas longe de Vicência, o circo Épicus decide retornar a cidade, agitando todos os moradores, que cresceram aos contos dos espe...