4 - Menzes

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Certamente um pouco mais cedo do que eu imaginava estava de volta à maldita confusão de bicicletas da Escola de Educação Básica Vincentino.

Eu realmente não entendo como eles nos roubam cobrando oito reais no salgado minúsculo da cantina, e mesmo assim não possuem verba para expandir o bicicletário.

Já aconteceram tantos episódios de dias que me esborrachei em cima das bikes postas sem um mínimo de espaçamento, que quando acontece qualquer barulho um pouco mais alto, eu escuto em seguida sempre a mesma piadinha sem graça: Meu Deus, alguém socorre a Eva Sades! Nem preciso dizer quem foi que começou com essa baboseira (Vitor, sua hora ainda vai chegar).

— Caraca, até que você tem uma bicicleta legal. — A garota segurava o guidão direito, analisando os adesivos colados.

— E posso saber por que eu não teria?

— Ah sabe, eu teria que dizer uma lista enorme, e olha, o caminho não é longo o suficiente. Vai por mim. — Ela teve a audácia de soltar uma risadinha depois de falar essa barbaridade.

Eu até pensei em várias respostas ao nível, mas quando ela se sentou no bagageiro, envolvendo os braços na minha cintura, uma brisa do clima nublado de Vicência soprou em nós, percorrendo arrepios por todo o meu corpo. Então, me preocupei em apenas não perder o equilíbrio. O que se tratando de mim, já era uma baita trabalheira.

Nas curvas, por um pouco (muito) de falta de controle meu, a bicicleta tendia bem mais para o lado do que o calculado. Meu coração gelava toda vez que sentia a iminência de queda, mas a garota parecia se divertir, enquanto erguia os braços.

Eu mal conseguia acreditar que estava mesmo fazendo algo que não havia pensado previamente por horas ininterruptas.

Acho que se tivéssemos caído teria sido bem feito para mim. Onde eu estava com a cabeça em fugir da escola antes de terminar uma prova?!

Que sensação horrível. E também boa. E muito ruim. E muito incrível. Ah, Meu Deus, isso é demais.

Eu pedalava com rapidez em cima das pinturas da bandeira brasileira da copa passada. As fitinhas que sobraram mesmo depois de chuva, vento e meses ainda perduravam no céu. Hoje fechado. Mas que parecia queimar como nunca.

Segurei forte o guidão quando chegamos no limite da escada de ladrilhos coloridos. É linda e muito útil. Do ladinho dos degraus tem uma parte lisa e bem esguia, que é quase como uma rampa, e é lá que minha bicicleta pega todo o vapor.

Eu já caí umas três vezes com Melina na minha garupa. O que é uma boa estimativa se tratando de quantas já passamos por aqui. Então por favor, que hoje o universo tenha se esgotado de me ferrar. E me deixe vencer nessa.

A garota agarrou forte meu corpo conforme descíamos a escada. Eu sentia meu coração pular, mas deve ser pelo medo em sempre achar que vou dar de cara com o carrinho de pastel de Dona Maria, que toda vez me dá uns puxões de orelha por descer a escada de Boa Fé desse jeito.

Obrigada universo! Sem pastéis, minha cara e a da dessa menina no chão. Dona Maria colocou o rosto pra fora, gritou algo como "juízo", e eu ri virando para a rua "Hibisco", que sem ser em dia de feira nunca tem ninguém, o que seria menos arriscado. Já que eu não precisava de mais uma testemunha da minha fuga da escola.

Era um ótimo plano. Até eu esquecer que hoje é quinta. Minha bicicleta já estava no meio do corredor das barraquinhas dos feirantes. Entre carrinhos, muitos Vicentinos e lonas verdes. De um lado abacaxi, limão, laranja. Do outro melancia, manga, placas de temos isso, temos aquilo. A bacia com Meu Deus isso é gengibre? Eca.

Sáfico | Cartas de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora