POV: Rafaela Valença
Fiquei um pouco desnorteada com a falta de educação de Roberto Nascimento. Não querendo me gabar de alguma forma, mas o fato de eu ser uma jovem médica, bonita aos olhos do brasileiro médio, me faz ser melhor tratada, principalmente pelos meus pacientes, normalmente bem mais velhos que eu, que veem em mim algo que eles, por mais que nunca terão, considerem um objeto de cobiça. Ele não ter nem mostrado os dentes pra mim, ignorando o meu semblante feliz e sorridente, realmente me incomodou.
- Fica à vontade, Roberto. Pode sentar nessa cadeira aqui.
Enquanto eu falo, gesticulo, apontando a cadeira que ele deve sentar.
- Doutora, eu prefiro não ficar de costas para a porta.
Esse pedido disfarçado de comentário me deixou um pouco mais incomodada com o jeito que ele está agindo. Primeiramente, ele conseguiu, não sei como, um encaixe. Tirou a vaga de um paciente que provavelmente viria, e nem aparenta estar realmente precisando vir nessa consulta? Nem um pingo de gratidão? Enfim. Em nome do sucesso terapêutico, pego meu notebook, meu caderno e a caneta jogada em cima da mesa, que esperava por mim, e posiciono no lado contrário. Eu vou tentar, é claro, fazer com que meu paciente se sinta o melhor possível.
- É claro... Pode sentar ali na frente, então.
- Desculpa, acho que é coisa de policial.
Ele fala meio sem jeito, com um semblante que demonstrava indiferença. Não estava sendo fácil ler esse paciente.
- Então, Roberto, percebi que a sua consulta hoje foi um encaixe, o que aconteceu?
- Ah, perdão...
Foi a primeira vez que vi o seu semblante mudar desde que o vi pela primeira vez, na sala de espera. Ele parecia que tinha chego a uma epifania, que tinha lembrado de algo muito importante, cuja sua vida dependia inteiramente disso. Ele parecia até... Animado? Feliz? Com tão poucas emoções demonstradas até então, ficava difícil decifrar o que ele estava sentindo.
Roberto começou, sem se levantar, a tentar pegar algo no bolso da camiseta da farda dele. A parte de cima da farda estava suada, parecendo totalmente molhada, e mesmo com tanto suor, ele não fedia. De fato, encheu a sala com um cheiro metálico, que atribuí à sangue ou à arma que estava guardada no seu coldre. A sala era pequena e abafada o bastante para que cada cheiro diferente preencha ela, e eu, que passo a maior parte do dia ali, noto eles. Dificilmente ele perceberia isso.
Quando ele conseguiu, depois de muita dificuldade, pegar um papel levemente úmido, me entregou. Desdobrei o papel e parecia ser a ficha de Roberto.
Ali, continha informações de como ele chegou. Como sempre, alguns sinais vitais e alguns pontos subjetivos. O médico do pronto atendimento atendeu ele, o medicou e encaminhou direto pra cá.
Dei uma olhada em seus sinais vitais, notando que a frequência respiratória e cardíaca estavam alteradas, ele se encontrava pálido, suando frio, referindo sintomas clássicos de infarto. Alguns exames foram feitos pra descartar essa possibilidade, e quando a resposta veio negativa, Roberto foi então informado que teve uma crise de pânico.
- Ahm... Ok.
Eu falo enquanto ainda observo o papel úmido, indo agora para a parte subjetiva, que é quando o médico escreve suas impressões do atendimento, basicamente.
"Paciente relata que tem certeza de sua morte, pede para que acabemos com seu sofrimento. Apresenta-se enraivecido num primeiro momento. Refere tomar um remédio psiquiátrico, não sabendo informar o nome, supostamente benzodiazepínico (alivia os sintomas rapidamente, mas usa uma dose maior do que é o recomendado). Paciente relata ainda estar se sentindo fora do próprio corpo, tendo lapsos de memória. Depois de medicado com diazepam (checar rodapé para informações da posologia), referiu estar mais calmo. Encaminho para o ambulatório de psiquiatria, recomendando consultas semanais a combinar com o paciente. Oriento sobre voltar ao Hospital caso o sintomas voltem ou se intensifiquem. Não faço manutenção do remédio psiquiátrico que ele toma em casa".
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Sob a Farda, o Caos.
RomanceUma história onde Roberto Nascimento, capitão do BOPE, cruza o caminho de Rafaela, uma recém-formada em medicina que atua como psiquiatra no Hospital Central da Polícia Militar. | Dark Romance | Tropa de Elite | Capitão Nascimento | Psiquiatria | H...