POV: Capitão Nascimento
"The fire in my blood
is both a blessing and a curse
for I will always need something to burn"
Segunda-feira
O bipe que fazia quando eu esperava para a doutora Rafaela atender a ligação me incomodava. Eu temia em meu íntimo não conseguir ver ela no dia de hoje por puro desleixo próprio.
- Alô? - Sua doce voz acalmou meu coração do outro lado da linha, funcionando que nem o rivotril que ela me passara.
- Doutora, estarei passando em seu consultório durante o horário do almoço. Eu sinto muito, mas é o único horário que consegui disponível hoje.
- Que consultório? - Ela ri, como quem se diverte com a minha disposição de ser um bom paciente. - Não estou mais trabalhando no HPM.
- Assim, sem mais nem menos? - O caminho que a conversa tomava saía do profissional, e isso me assustava. - Onde tá trabalhando?
- Centro Comunitário de Saúde Doutor Albert Sabin! Primeiro centro comunitário que eu pego depois de formada, legal, né? - Ela parecia confortável demais.
- Aquele que fica...
- Na Rocinha, sim! Nunca imaginei que iriam me realocar para um lugar tão rico... Quer dizer, tão interessante e diferente como aqui!
Ela só podia estar tirando uma com a minha cara.
- Não fode.
A ligação ficou em silêncio. Talvez eu tenha pesado o clima deixando algo tão espontâneo sair de minha boca, sem me preocupar em manter a linha amigável que ela construía.
- Ué, por que?
- Se cuida, doutora.
- Por que? Você tá me assustando... - Eu podia ouvir um risinho do outro lado da linha. Conseguia imaginar ela sorrindo pro nada enquanto me respondia, e torcia pra que em algum universo nós não precisássemos conversar sobre isso.
Desligo a ligação.
Não sei se era graças à medicação que ela havia receitado, ou se era pelo fato da minha vida estar voltando ao eixo, mas eu realmente me sentia um novo homem. Eu já não guardava mágoas irracionais, não tinha pensamentos obsessivos com uma mulher que nunca, nem em qualquer outra realidade paralela, poderia ser minha. Atualmente, só me preocupava realmente em terminar esse tratamento e voltar a focar 100% no BOPE. Pode-se dizer que a força motriz para eu não ter desistido totalmente de frequentar a psiquiatria é o fato de eu ter tido uma melhora significativa no meu desempenho dentro da corporação, também.
Não havia tido nenhuma outra incursão depois de quinta, mas os meus colegas notaram alguma mudança e alguns até verbalizaram seus pensamentos, se abrindo pra mim. Eu não poderia me importar menos com a "preocupação" que eles diziam ter quando eu tinha meus momentos de... descontrole. Acho engraçado pra caralho que na época todos baixavam a cabeça e me achavam o fodão, mas agora que estou mais... sociável... eles acham que possuem algum direito de reclamar de mim para mim mesmo. Como sou um novo homem, reprimo meus instintos que dizem como um diabinho em meu ombro para comprar briga e foder todo o progresso mental que havia feito até aquele momento. Mas que dá vontade de mandar um frouxo desse pro inferno, dá.
A Rafaela só aparecia em meus pensamentos quando eu olhava as caixas de remédio pela casa, mas agora não havia nenhum sentimento atrelado à ela, assim como deveria ter sido desde o início. Com a cabeça no lugar, dessa vez percebo o quão fora de mim eu me encontrava, tendo pensamentos que nunca havia tido na minha vida, vendo coisas que não existiam... Parece que não era eu, e sim uma cópia descompensada. Enfim, de qualquer forma, não importava mais. Com os vídeos que eu assistia sobre meditação aprendi que não vale a pena gastarmos o nosso tempo com o passado, uma vez que não podemos o mudar, e nem gastar tempo com ansiedades futurísticas, uma vez que não vivenciamos a situação verdadeiramente para determinarmos se é algo realmente a se preocupar ou não.
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Sob a Farda, o Caos.
RomanceUma história onde Roberto Nascimento, capitão do BOPE, cruza o caminho de Rafaela, uma recém-formada em medicina que atua como psiquiatra no Hospital Central da Polícia Militar. | Dark Romance | Tropa de Elite | Capitão Nascimento | Psiquiatria | H...