01, 05 e 06.

1.5K 134 18
                                    




POV: Capitão Nascimento

"É melhor superar o monstro em monstruosidade ou ser silenciosamente devorado?"

-Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal

Quinta feira, 23:00.

Hoje é o dia que eu tanto esperei. Pra falar a verdade, nem sei o que eu tava esperando. Eu sou um capitão do BOPE, da tropa de elite da polícia militar do Rio de Janeiro, eu fui destruído e reconstruído para ser, junto da minha equipe, uma arma de guerra. No Rio era rotina já termos que atuar quase que diariamente em coisas menores, como negociação de refém, estouro de guerra de facção dentro de cadeia, coisa básica, especial mesmo era dias como esse, onde eu podia brincar um pouco de Deus e decidir quem vivia e quem morria. E não é que eu realmente me sentia um Deus exatamente, nem eu nem meus colegas, Deus só existe um e ele tá no céu pelo bem ou pelo mal, mas o fato é que, quando você convive com a morte todo dia, toda noite, quando sabe que é matar ou morrer, enquanto você sobrevive, a sensação é de vitória sobre a morte, uma espécie de vôo rasante sobre o precipício. Se isso for considerado onipotência, tudo bem. Não vou mudar de ideia sobre quem eu sou. Por incrível que pareça, sou mais parecido com um médico emergencista do que pode parecer. Eu e ele funcionamos melhor sob pressão. Quando tem uma granada sem pino na minha mão, um colega com tiro no pé sangrando e chamando pela virgem Maria, uma criança de 17 anos portando fuzil mirando na minha cabeça e mais 4 nego atrás de mim esperando por uma ordem minha, é quando eu melhor penso. Ali não tem crise. Não tem raiva, não tem descontrole. Pelo menos, nunca teve nada até hoje.

Eu preciso admitir para mim mesmo que ter vindo aqui hoje foi como alugar um estande de tiro, por esporte. Eu sabia que o BOPE não havia sido chamado. Eu também sabia que logo o Governador ia ficar em pânico porque a Rocinha ia ser pintada como terra de ninguém, quando a polícia civil não conseguisse pegar o vagabundo que atirou no gringo. Que tiro, inclusive. Dependendo do ângulo da filmagem, dava pra ver certinho a cara do meliante. Em outro, dava pra ver certinho a bala saindo nas costas do gringo, manchando a camisetinha da Ralph Lauren de sangue. Bem feito, otário. Ninguém pediu pra você subir o morro como se fosse um zoológico.

Porém, eu ainda não tinha subido o morro. Minha cabeça ainda oscilava entre total consciência programada, quase como memória muscular e entre o Roberto Nascimento, que ultimamente tá sendo a porra de um frango. Os meus pensamentos estavam confusos, assim como estiveram durante todo o dia, e minha última oportunidade de me resolver comigo mesmo era hoje. Se fizer isso, amanhã vai ser a minha última vez com a Rafaela. O stress acumulado da minha falta de trabalho, a pressão de escolher alguém pra me suceder antes de eu ser promovido e ficar amarrado ao comando do BOPE, tudo o que aconteceu com a psiquiatra... A morte do gringo foi a minha salvação. Imagina eu ter que ir para o outro lado da cidade só pra matar meia dúzia de bandido? Ir na Rocinha, dentro do quintal, era tão conveniente... Sem contar que claro, podíamos fazer uma média com o Governador, mostrar pra ele que aquilo não podia ficar assim. Chegava a hora de subir no morro e reconquistar o que foi uma vez das mais de 70.000 pessoas que moram lá hoje em dia: a paz.

Nos dividimos em dois carros. No meu carro ia o Mathias no volante, eu no carona, Neto atrás de mim e do lado dele o 03, que ia ficar na retaguarda junto do Neto. O 02, que iria ficar na minha frente, atrás do Neto, ia no banco de trás também. A posição da Equipe Alfa ia ser a mesma de sempre, então não precisei discursar por muito tempo na frente dos meus subordinados. Mathias ia ser o ponta, ele tava ansioso por nunca ter atuado nessa frente mas depois de eu explicar carinhosamente que EU MANDO NA PORRA DA MISSÃO e ele ia ser o ponta independente do que ele dissesse, ele ficou mais calmo. É óbvio que eu não ia botar qualquer moleque pra ser ponta, é ele que vai na frente abrindo passagem, indicando o caminho e passando as informações que eu preciso por sinais, não ia colocar o Mathias nessa posição se não tivesse completa certeza que ele seria um bom ponta, afinal, já tínhamos perdido a conta de quantas vezes entramos na Rocinha. Eu, como comandante, iria ser o terceiro quando houvesse a formação para iniciarmos a subida. Nem muito longe do ponta, nem muito longe da retaguarda. O importante era chegarmos juntos e termos o fator surpresa ao nosso favor. Como foi uma operação montada de forma... pouco cuidadosa, não iríamos contar com mais de 12 homens no total, onde o restante vai entrar por outro canto, mas iríamos fazer render, com certeza.

Sob a Farda, o Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora