"Eu poderia facilmente perdoar seu orgulho, se ele não tivesse mortificado o meu"
- Jane Austen
POV: Rafaela Valença
Alerta de Gatilho para o capítulo.
Eu estava um caco. Assim que ele virou as costas, voltei a chorar copiosamente. Eu nunca fui humilhada de forma tão brutal e realista até hoje, e olha que eu já fui humilhada pra caralho nessa vida. Já tive diversos relacionamentos tóxicos, seja com homens mais eruditos, que usavam palavras bonitas para me botar pra baixo, seja com homens mais brutos, que só me chamavam de vadia burra, por mais que eu estudasse em uma semana mais do que eles estudaram durante a vida toda.
Eu só sabia chorar.
O buquê em meus braços pesava como se cada flor daquela fosse feita de chumbo, irritava meus braços, coçava. A vontade de arrancar minha própria pele com minhas próprias unhas pulsava com uma intensidade assustadora. Tive que reunir todas as minhas forças para não ceder a esses impulsos autodestrutivos. Não me sentia tão devastada assim há muito tempo, cada segundo era como uma batalha contra os pensamentos mais obscuros da minha mente.
A história já tinha começado errada, a partir do momento que tive que mentir para minha melhor amiga para proteger um completo estranho, seguido da continuidade do tratamento desse mesmo estranho que nem sequer queria ser tratado. Eu tinha cometido tantos erros grotescos que conseguia até ver a linha do tempo até chegar ali, clara como cristal. Deixando a minha parte médica de lado, eu estava muito machucada como humana, também. Eu não conseguia entender como uma pessoa podia ser tão cruel a troco de nada.
Durante a minha infância, adolescência e início da vida adulta, convivi com meus pais, só saindo de casa recentemente, depois de terminar a faculdade. Minha mãe, desde que me conheço por gente, exibia comportamentos narcisistas que acabei por me acostumar ao longo da minha vida. Nunca vou esquecer do dia em que, após ela gritar comigo, me escondi dentro do meu próprio armário, inspirada pelo filme "As Crônicas de Nárnia", ansiando por escapar dali. No escuro, chorando baixinho, ouvi a porta se abrir. Era meu pai. Olhando para cima, ainda chorando, perguntei a coisa mais ingênua que uma criança poderia dizer: "Pai, a mãe não gosta de mim?". E ele, com uma frieza que cortava como faca, respondeu: "Não, ela não gosta de você."
Deus, como eu queria poder voltar no tempo, abraçar aquela criança assustada, oferecer o carinho que tanto faltou naquele momento, dizer que ela não era um problema a ser resolvido. Meu pai, com sua crueza sobre os sentimentos, também não ajudava, mas não posso culpá-lo inteiramente. Eu fui sua primeira filha, ele também estava tentando sobreviver enquanto era meu pai. Ambos, sendo policiais militares, tiveram uma existência dura e disciplinada, e isso moldou profundamente a minha criação.
Lembro-me de inúmeras situações onde minha mãe descontava sua raiva em mim, como se eu fosse a culpada por todas as suas frustrações. Meu pai, apesar de estar sempre fisicamente presente, era emocionalmente distante, como uma estátua imponente e inatingível, que só podemos ver de longe, sem tocar. Eu amava os dois, e sei que, de suas próprias maneiras atípicas, eles também me amavam.
Quando encontro pessoas amarguradas, traumatizadas, sinto uma compaixão profunda, uma urgência de ajudá-las. É um sentimento perigoso, eu sei, mas é isso que me move, essa empatia insaciável por almas quebradas. Afinal, em meio às sombras do meu passado, a única luz que encontrei foi a de querer curar os outros, mesmo quando eu mesma ainda carregava tantas feridas abertas, e é por isso que eu escolhi ser médica.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a Farda, o Caos.
RomanceUma história onde Roberto Nascimento, capitão do BOPE, cruza o caminho de Rafaela, uma recém-formada em medicina que atua como psiquiatra no Hospital Central da Polícia Militar. | Dark Romance | Tropa de Elite | Capitão Nascimento | Psiquiatria | H...