Perdão

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"Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai Celestial vos perdoará a vós"

- Matheus 6:14

POV: Rafaela Valença

Terça feira, Florianópolis. 

Desde que pousamos em Florianópolis, Gabriella se tornou uma vigilante incansável, mantendo um olhar atento sobre o fato de eu estar com o celular em mãos. Ela insistiu para que eu silenciasse todas e quaisquer notificações, exigindo que eu focasse plenamente em tudo o que estivéssemos fazendo no momento.

Na segunda-feira, fomos à casa dos pais dela, um lugar já familiar para mim, e passamos um tempo em família. Eles prepararam um quarto para mim na mansão deles, onde ficaríamos até quinta-feira, mais ou menos. Liguei para Pedro, meu amigo de infância que havia se mudado para São Paulo a trabalho, e ele também comprou uma passagem para Floripa. Meu corpo fervilhava de nostalgia, misturado com a excitação de reviver memórias antigas.

O que nós três faríamos durante a semana? Era uma pergunta que me deixava animada e ansiosa.

Meu quarto na casa de Gabriella era menor do que o meu quarto na sua casa no Rio, porém igualmente luxuoso. Tinha uma cama de casal, um banheiro privativo e uma decoração impecável que refletia o bom gosto de sua mãe. A casa era belíssima, verdadeiramente digna de uma revista de arquitetura. Ver toda a família reunida me provocou uma pontada de mágoa. Por que não poderia ser eu?

Durante a viagem de avião, fiquei pensando se deveria seguir o conselho de Gabriella e dar uma passada na minha própria casa para ver meus pais, ou se deveria manter minha visita em segredo. Todas as vezes que os visitava, a felicidade não durava mais que meia hora. Meu pai ficava animado no início, me abraçava com entusiasmo, mas depois voltava para dentro de seu próprio quarto, me deixando sozinha. Nunca se esforçava para passar tempo comigo.

Minha mãe, por outro lado, adorava passar tempo comigo, mas eu não suportava o jeito que ela tentava levar as conversas. Tudo era sobre ela, sobre o que ela estava fazendo (como se fosse algo extraordinário), sobre suas amigas (que a usavam pela comida que ela sabia cozinhar e pelas festas que organizava), tudo girava em torno dela, e eu simplesmente não conseguia mais aguentar tanto egocentrismo. Isso sem contar quando ela começava a me criticar completamente: meu corpo, meu rosto, meu cabelo, minhas roupas... Deus, ela não tem espelho?

Eu odiava ser rival da minha própria mãe, odiava como ela era cruel comigo, e odiava mais ainda não poder ter uma mãe de verdade.

Entendo que ela teve uma vida difícil, que teve que criar uma casca em volta de si para poder sobreviver, mas ela é simplesmente... cruel. Maldosa. Me magoa toda vez. Prefiro ficar magoada na casa da minha amiga, vendo a mãe dela sendo carinhosa com ela, do que ser magoada pela minha própria mãe.

Ouço alguém bater na minha porta, depois de eu ficar incríveis cinco minutos sozinha.

- Rafa...! Vem, vamos caminhar. - Disse Gabriella, querendo me tirar de dentro do quarto.

- Agora? Eu tô cansada ainda... - Respondi, tentando resistir.

- Vem! Vem! De noite o Pedro vem, ele me contou, e a gente vai num barzinho. - Ela insistiu.

- Vocês conversaram? - Perguntei, confusa.

- É óbvio, eu amo o seu amigo. - Ela disse com um sorriso, como se isso fosse a coisa mais óbvia do universo. Não era.

Desisto de tentar argumentar e levanto da cama, já procurando meu sapato no chão.

- Você não vai assim, né? - Ela perguntou, olhando para minhas roupas com um ar de desaprovação.

Sob a Farda, o Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora