Gato

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"Her stormy eyes, her sincere sensuality, the softness of her skin and her voice, (...)"

— Colette, from The Complete Claudine Series; "Claudine Getting Married"

POV: Roberto Nascimento

Acordei com um sobressalto ao som estridente de uma sirene desesperada, desnecessariamente alta. O barulho parecia amplificado pelo silêncio profundo da madrugada, ecoando por cada canto da casa e, quem sabe, por todo o bairro. Me lembrou as sirenes durante meu treinamento no BOPE, despertando em mim o instinto de "luta ou fuga". Empunhei minha arma e destranquei a porta rapidamente, movendo-me em direção ao corredor com passos firmes e silenciosos.

O escritório onde Rafaela dormia era o primeiro quarto no corredor, o ponto mais vulnerável caso houvesse um intruso. Não havia tempo a perder. Meu coração martelava no peito, meus olhos se arregalavam, simbolizando o estado de alerta que tomava conta de mim. Já no corredor, meus passos eram abafados pelo alarme ensurdecedor que gritava e piscava em tons de vermelho.

Quando ouvi um barulho na porta do quarto de Rafaela, como alguém tentando destrancá-la com dificuldade, fiquei parado, aguardando. Estava pronto para proteger a porta de qualquer ameaça que se escondesse nas sombras. A porta se abriu e, de repente, Rafaela colocou a cabeça para fora num ato de total imprudência. Instintivamente, empurrei sua cabeça de volta para dentro, fazendo-a cambalear e cair no chão.

- Fica aí, em silêncio. - Minha voz saiu firme, do mesmo jeito que falava com vagabundos, mas agora em um sussurro. Eu não queria agir assim com ela, não havia necessidade, e ela não merecia. Foi automático, uma resposta condicionada pelo hábito.

Fechei a porta, ignorando os protestos abafados que vinha dali de dentro. A casa era pequena, com a sala de TV, a cozinha e a sala de jantar integradas em um ambiente aberto, sem paredes. Pelo menos ali não havia ninguém. Notei que a grande janela que dava para o quintal estava ligeiramente aberta.

Andei até a cozinha, verificando atrás da ilha e dos balcões. De repente, um som abafado atrás de mim me fez girar rapidamente, arma em punho, apontando para o que quer que estivesse ali. Meus olhos captaram apenas um borrão fugindo pela janela perto da TV, rápido demais para identificar de imediato.

Meu coração disparou, errando batidas enquanto processava a cena. Então, finalmente, entendi: era um gato. Desliguei o alarme, sentindo a tensão lentamente se dissipar.

Eu entendo que a Rafaela esteja ainda se acostumando com a casa, deixando suas roupas jogadas em meu banheiro, cabelo no ralo depois de tomar banho e TV ligada enquanto dorme. Nada disso me incomodava verdadeiramente, eu havia aceitado receber ela aqui, e sabia que não seria fácil uma garota que nem ela, que viveu a vida da melhor forma, com funcionários limpando e organizando a sua vida por ela, mudar do dia para noite, mas ela desconsiderar meus pedidos em relação à segurança tanto dela quanto minha era demais. Eu sentia como se ela precisasse ser educada do zero novamente, e sabia que eu, que não tive contato com nenhuma criança ao longo da minha vida, não seria a melhor pessoa pra isso.

Coloquei a arma na parte de trás da minha cintura, entre a roupa e a pele, e caminhei até o quarto dela. Ao abrir a porta e acender a luz, deparei-me com uma cena que me desarmou. Rafaela estava no fim da cama, abraçando os joelhos contra o peito, a cabeça coberta por uma touca estranha. O pijama, um dos mais bonitos que eu havia comprado, caía perfeitamente sobre seu corpo. Eu podia ouvir seu choro baixo, um som que cortava tanto o silêncio quanto o meu coração como uma navalha.

Ela era tão inconsciente das ameaças ao seu redor, uma garota mimada que nunca teve que enfrentar o perigo de verdade. Sua imprudência em deixar portas e janelas destrancadas colocava-nos ambos em risco, porém era a ideia de um intruso indo diretamente ao quarto dela que me deixava verdadeiramente perturbado, enraivecido.

Sob a Farda, o Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora