Sob a Farda, o Caos.

Ultraviolence - Lana del Rey

TW: Violência e descrição gráfica de atos violentos.

POV: Rafaela Valença

Sábado, Rio de Janeiro.

O baque do avião no chão durante o pouso me deixou com uma dor de cabeça inexplicável.

Ou pelo menos era nisso que eu queria acreditar.

O Galeão não estava tão movimentado quanto poderia estar, e Roberto não teve problema nenhum ao carregar minha mala e a sua própria mochila. A única coisa que eu precisei me preocupar com era a minha própria bolsa de mão.

Nós não tínhamos conversado muito, nada além do necessário. Não por vontade minha, e sim por timidez ou teimosia dele.

Quando eu consegui retomar o controle do meu corpo na noite passada eu já havia o perdoado.

Homens bons têm dias ruins, e eu como futura esposa preciso entender isso. O que eu não entendo é essa punição de tratamento de silêncio após ele mesmo ter me machucado, como se eu tivesse feito algo errado.

E eu não iria pagar para ver até onde iria o limite dele de novo. Preferi o silêncio total dessa vez.

- Você pode chamar o... uber? - Ele perguntou meio sem jeito, meio sem vontade. Parecia que não sabia do que estava falando ou não se importava o suficiente. Eu realmente nunca o vi me tratar dessa forma, com tamanha indiferença. Nem quando supostamente ele me odiava eu me sentia tão dispensada dessa forma.

- Claro, meu amor. Vou chamar. - Tentei fazer a minha voz mais doce, uma oitava acima do normal, suave. Eu tinha que aproveitar qualquer possibilidade de conversa para tentar explicitar como tudo estava bem entre nós.

Abri o aplicativo e cliquei no endereço da casa de Roberto que já estava salvo como sugestão. Não demorou muito para aceitarem a corrida e eu receber as informações do motorista.

Merda, era um KWID.

- Beto, a placa tem início XCK.

- Tá, e o carro?

- Um... KWID... branco. - Respondi com uma pontada de insegurança, esperando uma reclamação da parte dele.

Ele nem sequer olhou para mim de um jeito diferente como resposta. Nem um suspiro, nem um grunhido, nada. Ele se manteve olhando o horizonte, procurando por um carro com as descrições que eu havia passado.

Quando o carro apareceu, Roberto pegou a mala para colocar no porta-malas e enquanto isso eu entrei no carro.

- Licença! É... Boa tarde. - Sorri pelo retrovisor para o motorista.

- Rafaela? - O motorista perguntou enquanto o Roberto entrava no carro e batia a porta.

- Isso. - Respondi sentindo o Roberto se aconchegando do meu lado, não num gesto carinhoso, e sim por falta de espaço. O carro parecia uma lata de sardinha e o meu homem tinha pra mais de 1,85 brincando.

O motorista começou a dirigir e eu não tinha o que fazer além de olhar Roberto enquanto ele olhava para fora da janela. Ele nem parecia o mesmo homem que dias atrás se declarava para mim sem conseguir parar de sorrir que nem criança. Ele não parecia o meu Beto.

Seu rosto, ora iluminado pelo sol, ora sombreado, expunha uma beleza austera que já não me era mais estranha e me confortava de certa forma, uma nostalgia quase melancólica, que parecia ser reforçada toda vez que os raios solares beijavam o topo do seu nariz reto. As suas feições fortes e bem delineadas, o maxilar firme, sem descanso, e os olhos profundos que não me davam mais a honra de ser o objeto de interesse agora carregavam uma aura mística, como se esse fosse um homem diferente do meu, que tinha uma intensidade natural que fazia meu coração vacilar. Cada detalhe do seu semblante, por mais que não seja um dos mais felizes, ainda parecia uma obra de Gustave Courbet. Os lábios de Roberto, agora comprimidos em uma linha séria, ainda guardavam vestígios da ternura que um dia me dedicaram. Quando ele esquecia que estava me evitando e vacilava num contato visual rápido, era quando eu tinha a oportunidade de procurar pelo amor da minha vida perdido num olhar imponente e trágico que agora aquele estranho carregava.