Decisão

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POV: Capitão Nascimento

Eu já estava há no mínimo duas semanas sem tomar o meu remédio. Não fazia questão de voltar a me consultar com aquela médica de merda, mas ou era ela, ou era um clínico geral aleatório de novo, e eu não queria ter que justificar novamente para uma terceira pessoa desconhecida.
Ao longo do tempo, Mathias começou a assumir cada vez mais o comando da equipe Alfa. O trabalho que ele desempenhava nas operações era invejável, eu sentia dia após dia que tinha feito a escolha certa. Não que Neto não conseguisse comandar uma equipe durante uma operação hipotética, mas eu preferia o palhaço me fazendo companhia na retaguarda, para ser honesto. Ver que o meu tempo no BOPE tava acabando me deixava cada vez mais aflito, porém igualmente satisfeito

Desde que vi naquele fatídico dia um fuzil sem bandoleira na mão do Mathias, igual aos que a gente porta, fiquei cabreiro. Isso significava que algum policial corrupto tava subindo favela, sem a nossa presença, obviamente, para vender arma com a numeração raspada. Normalmente, o lixo que os vermes usam pra atirar na gente são armas velhas, contrabandeadas de fora, caindo aos pedaços mesmo, mas a arma daquele dia tava novinha. A chance de ter sido do último lote que chegou para nós era enorme. E eu não ia deixar essa merda passar em branco, é óbvio que eu ia fazer eles pagarem com o sangue. Enquanto fantasiava sobre a próxima vez que iria subir com a minha equipe, atrás de armas, drogas e informações, Mathias aparece na frente da minha sala, que tirando a porta, é totalmente de vidro. Antes mesmo que ele pudesse bater na porta, como se eu não pudesse vê-lo, faço o sinal pra ele entrar. Parecia que ele podia ler minha mente, porra! Isso quase me deixou feliz. 

Mathias. Descansar!

Mesmo que eu não ligasse para ordem unida, Mathias ligava, e se eu não desse a ordem de descansar pra ele, provavelmente ficaria de pé em sentido até amanhã.

 - Capitão, recebemos ordens do comandante geral para fazermos uma batida lá no Turano. Gostaria de confirmar se iremos manter eu como o comandante da equipe, ou se o senhor vai querer comandar.

Mathias ultimamente tinha adquirido uma fama de ser meu secretário, por mais ridículo que isso seja. Provavelmente, enquanto ele andava que nem uma barata tonta pelo batalhão, deve ter trombado com o comandante, e deve ter recebido a ordem. Imaginar sua cara de acuado nessa possível cena era quase cômico.

- Dessa vez, deixa comigo. Sabe o que vai ter lá?

O fato de não terem entrado em contato diretamente comigo poderia ter me incomodado no passado, mas agora, é quase que uma satisfação, quero distância desses vermes, ao menos até eu descobrir quem é a fruta podre.

- Não, senhor. 

Se a expressão de Mathias não fosse tão continuada sempre, eu até poderia dizer que vi uma certa decepção consigo mesmo em seu rosto. - Descobre. Não dá pra ficar invadindo sem saber pelo quê a gente tá fazendo isso. 

- Sim, senhor!

Após falar, ele bate continência, sinalizando que iria se retirar em seguida. Só de pensar sobre voltar a atuar como comandante da equipe, meu corpo é inundado por uma sensação de completude, e eu sou tomado por uma espécie de ansiedade... feliz? Adrenalina, possivelmente.

 Eu mal podia acreditar que um sorriso tímido se formava em meu rosto, enquanto eu olhava para baixo. Parece que eu tinha esquecido por um momento o motivo pelo qual escolhi seguir essa carreira. Eu preciso sentir isso pra continuar me sentindo vivo. Isso me deixa vivo. Reconheço o paradoxo, óbvio. É no confronto com a morte que encontro meu propósito de vida. Matar vagabundo, por mais paradoxal que seja, me faz sentir intensamente vivo, preenchendo um vazio que nada mais consegue. E sendo honesto, fico feliz mesmo que eu esteja mesmo metendo bala na cabeça desses merdas. É um ciclo vicioso, talvez até perverso, mas é a minha verdade.

Sob a Farda, o Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora