(in)Certezas

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POV: Roberto Nascimento

Acordo com o raiar do dia. Havia me preocupado tanto com a segurança, que acabei me esquecendo da comodidade. A farda que eu usava há mais de 24h agora era tão confortável quanto um pijama de cetim. Não que eu já tivesse usado, mas já senti o cetim de terceiros roçando em minha pele. Eu sentia falta daquela sensação. Não havia nenhum som irrompendo o silêncio tímido que pairava pela sala. O meu celular, surpreendentemente, não notificava nenhuma mensagem, nem ligação. O silêncio era absoluto, com um resquício de cantar dos pássaros ao fundo. Eu me levanto de maneira mansa, tentando não quebrar a estática palpável provocada pela ausência de barulhos que eram tão corriqueiros pra mim. Normalmente, eu acordaria, falaria com a Alexa pedindo alguma música, faria meu café sem se importar com a bateção de panela, tudo no meu ritmo. Agora, por puro respeito, tentei me manter o mais calmo possível. Vou em direção ao meu quarto, para usar o banheiro. O meu quarto era a única porta à esquerda. Felizmente, era uma suíte, então eu não precisaria me preocupar em andar pela casa de toalha, me expondo.

Já no banheiro, tiro a farda que parecia já ser uma segunda pele, grudada em mim com uma cola infernal que só existia em minha mente. Eu não queria deixar de ser quem eu sou, por ninguém. Eu nunca faria isso, a ideia por si só é ultrajante. O que aconteceu na noite passada foi apenas um erro. Eu não cometo o mesmo erros duas vezes.

Tomo uma ducha rápida, torcendo para que ela não acordasse enquanto eu me lavava. Alguns passos teriam que ficar de fora hoje. Assim que eu saio do box, me olho no espelho.

Algo tinha mudado.

Meu rosto continuava o mesmo, obviamente, mas algo no conjunto todo havia mudado. Minha sobrancelha projetava uma espécie de sombra sob meus olhos, eu nunca tinha percebido o quão meu rosto aparentava ser mortífero quando eu não estava controlando minhas expressões para ser socialmente aceito. Nunca tive que me preocupar com isso, então realmente não era algo que eu teria como notar se não fosse pela situação atípica que eu me encontrava. Sem mais demora, deixo a minha barba por fazer, abrindo a porta do banheiro e deixando a fumaça da ducha quente que tomei invadir o meu quarto.

Pego as roupas que eu uso normalmente em casa, junto elas num montinho antes de começar a me vestir. Se eu quisesse ficar com a cabeça no lugar de novo, precisaria voltar a agir com o mesmo nível de organização que sempre tive, independente do que estivesse acontecendo.

Depois de me vestir, vou pra frente do espelho que era uma das portas do meu guarda roupa. Tenho um vislumbre de um homem que eu não reconheço. Não me recordo a última vez que havia me olhado no espelho, e me enxergado. Eu usava uma calça casual, preta, lisa, com uma blusa com as mesmas especificações. No meu pé, coloquei um crocs. Não havia nada no mundo que pudesse me fazer usar outra coisa no mundo além disso, depois de uma semana inteira usando um coturno.

Saio do quarto, lembrando o motivo de eu sentir que havia algo estranho, por mais que eu insistisse em agir de forma rotineira, quando olho as costas do sofá. Ela estava ali ainda.

Enquanto ando com a maior calma do mundo em direção à poltrona, minha barriga ronca.

Se eu estava com fome, ela deveria estar faminta.

Recalculo a rota e ao invés de ir ficar sentado do lado dela esperando ela acordar, me direciono à cozinha.

Será que ela não acordaria mais? Não... Tenho que parar de ser ridículo. Ela não está dormindo faz nem 15h. Totalmente comum e aceitável a quantidade de tempo que ela havia apagado. Eu não iria mais pensar nisso.

Sob a Farda, o Caos.Onde histórias criam vida. Descubra agora