Sob a Farda, o Caos.

Déjà vu

POV: Roberto Nascimento

Eu sentia que estava fazendo algo errado inicialmente, me lembrando a sensação de quando a coloquei dentro do meu carro pela primeira vez, desacordada. Ela andava devagar, como se o ambiente fosse completamente novo para ela, seus olhos examinando cada detalhe com uma curiosidade silenciosa. Sua aparência arrumada, em contraste com a última vez que a vi naquele estado vulnerável, reforçava a sensação de que, desta vez, eu estava no caminho certo.

Depois de explorar a sala, a cozinha e a sala de estar, ela se voltou para mim, seu olhar avaliativo suavizando-se. Sem saber o quão sociável ela estava, apenas apontei para o sofá, comunicando silenciosamente que ela podia ficar à vontade. Quando ela se sentou no mesmo lugar onde já estivera, um déjà vu intenso me envolveu. Era como se eu tivesse vivido aquele momento inúmeras vezes, em sonhos ou talvez em outras vidas. A visão dela ali, sentada, tornara-se estranhamente familiar, finalmente uma certeza em meio à instabilidade que definia minha vida costumeiramente. Naquele instante, senti que, de alguma forma, eu havia feito algo certo. Verdadeiramente certo.

Por mais que eu pudesse estar feliz, um ponto de confusão ainda persistia. Normalmente, não recebo visitas, muito menos alguém que ficaria comigo por tempo indeterminado. Não sei lidar bem com situações assim, mas, como sempre, daria um jeito. Rafaela estava sentada de maneira estranha, com as pernas juntas, mas não cruzadas, não havia tirado os sapatos e se mantinha ereta, sem encostar nas costas do sofá, como se estivesse pronta para fugir a qualquer momento. Mesmo em seu desconforto, havia uma doçura quase nauseante nela, como aquele doce bonito da vitrine que quando você engole, arranha a garganta, te fazendo procurar imediatamente por uma garrafa de água que pudesse diminuir o desconforto, e mesmo assim, come outra garfada, e outra... até acabar.

Ela não tentava ser simpática ou fazer sala, nem se preocupava em passar uma boa impressão. Estava em paz, carregando um semblante vazio que dificultava entender o que realmente se passava em sua cabeça. Ela era linda, parecia uma mistura de fada com princesa de contos infantis, beirando o irreal. Seus cabelos, que eu tanto apreciava, emoldurava seu rosto, que por sinal estava mais lindo que o normal. Seus olhos, grandes, expressivos e brilhantes contrastavam com seu comportamento retraído.

Enquanto a observava, não pude deixar de notar o quão delicada e desamparada ela parecia, quase como uma criança que mesmo feliz andando de bicicleta, estava fadada a cair e ralar o joelho. Havia algo perturbador na maneira como ela carregava essa inocência, misturada com uma beleza avassaladora. Sentia um nó no estômago ao perceber o quanto ela parecia deslocada, uma figura angelical em um cenário que não combinava com sua presença. Tudo nela exalava uma estranha combinação de maturidade e infantilidade, que fazia florescer um instinto paternal em mim, que ansiava por cuidar dela com o maior afinco possível.

Era como se ela fosse uma boneca assombrada, perfeita em todos os detalhes, intocada pelo tempo, mas com uma alma inquieta presa em seu interior. A visão dela ali, tão perto e ainda assim tão distante, despertava em mim sentimentos confusos e intensos que eu não conseguia nomear. Havia algo de profundamente errado e perverso na maneira como eu a via, e essa realização me perturbava mais do que eu estava disposto a admitir.

Ando para perto do sofá, me aproximando dela, mas sem me preocupar em ficar em seu campo de visão.

- Olha... Eu vou tomar banho daqui a pouco e arrumar meu quarto, minhas coisas... Você pode dormir lá, se quiser. - Eu disse, tentando manter um tom descontraído.

- Dormir... Com você?! - Ela virou para trás de maneira frenética, seus olhos arregalavam-se.

- NÃO! - Falei mais alto do que eu queria. - Tá doida? - Regulei o tom da minha voz.