a burnt child loves the fire.
- Oscar Wilde. The Picture of Dorian Gray
Roberto estava fora do meu campo de visão, provavelmente em seu quarto.
Quando criança eu adorava dormir na casa de minhas amigas, meus pais sempre foram liberais quanto a isso. Eu tinha uma amiga, a Mariana, que quando eu ia dormir na casa dela nós ficávamos acordadas até muito tarde escondidas, porque domingo era dia de missa e ela, tendo que acordar cedo, queria ir dormir cedo também. Mesmo não sendo católica, seus pais me levavam à missa junto, era muito fácil viver com eles durante um fim de semana, a ordem era instaurada em sua casa através do patriarcado cuidadosamente estabelecido e pela sua mãe que mesmo apesar dos pesares, cuidava do lar com um afinco inestimável. Era muito fácil mesmo viver lá, obedecendo as regras, brincando de bonecas, organizando a bagunça que nós mesmas fazíamos... Eu era verdadeiramente feliz de sábado à domingo, quando estava com ela. Aquele sentimento de "aqui pode não ser minha casa própria, mas é um lar" me preenchia por completo, e hoje eu sinto muito que eu não tenha aproveitado mais dessa amizade, desses tempos simples, puros, fáceis. Obviamente, depois dos 11 anos mais ou menos os nossos gostos começaram a mudar, Mariana, uma menina católica, estava preocupada em continuar sendo criança e estudar para a prova da semana e eu estava preocupada se iria conseguir mentir para meus pais e escapar para ver o meu namoradinho. Perdi o interesse na amizade enquanto amadurecia precocemente, não entendendo como ela não se interessava pelas coisas que eu gostava. Procurei adolescentes para substituir ela, e hoje quando lembro dos seus cachos soltos, dourados, do seu sorriso lindo e da sua personalidade que se manteve doce apesar da vida, sinto muito por mim mesma de ter me afastado dela. Será que eu seria outra Rafaela? Será que eu ainda moraria em Santa Catarina, que nem ela, teria uma família formada, tradicional? Não importa. A realidade era bem diferente. Eu estava na casa de um estranho, sem perspectiva de ir embora, sem minhas roupas, meus produtos, meus objetos de conforto. A ideia era absurda, nunca achei que fosse ficar tão no fundo do poço assim, e sinceramente não consigo ver onde que tudo deu errado. Mas eu sei o que eu precisava fazer para arrumar as coisas. Pego o meu celular, entro no chat da Gabi e começo a digitar. Ela havia me ligado algumas vezes desde 17h, que provavelmente foi quando começaram a veicular as notícias sobre. Felizmente, não havia nenhum jornalista presente, então eu pessoalmente não estampava nenhum jornal.
Pego meu celular e mando uma mensagem para ela.Eu já sabia que não ia ser uma conversa fácil. Gabriella odiava conversar por mensagens.
Digitei "posso sim" sentindo aquele vazio no estômago, aquela ansiedade visceral. Meu celular tocou.
- Alô? - Falei como se não soubesse quem ligava, mesmo tendo visto o nome do contato.
- Rafa. Rafaela. Onde você tá?
- Eu tô na casa de uns amigos... Me convidaram depois do expediente.
- Eu vou te dar uma chance para contar a verdade. - Tinha não um ponto de irritação em sua voz, mas uma mancha completa. Ela falava num tom que me lembrava a minha mãe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a Farda, o Caos.
RomanceUma história onde Roberto Nascimento, capitão do BOPE, cruza o caminho de Rafaela, uma recém-formada em medicina que atua como psiquiatra no Hospital Central da Polícia Militar. | Dark Romance | Tropa de Elite | Capitão Nascimento | Psiquiatria | H...