Anne Green
O silêncio no estacionamento era quase palpável, interrompido apenas pelo som dos meus tênis que ecoavam enquanto caminhávamos em direção ao carro de Isaque Campbell. O ar entre nós parecia denso, carregado de uma tensão que eu não podia ignorar.
Minhas mãos começaram a suar e meu coração batia tão forte que eu achava que Isaque podia ouvir. Eu havia ouvido tanto sobre o famoso “filho pródigo” que não dava muito crédito à sua fama de atraente — até vê-lo de perto. Ele era, sem dúvida, uma obra prima. Algo esculpido com precisão, desenhado pelo Criador. Um homem que parecia consciente de cada detalhe que o tornava irresistível.
Mas eu precisava lembrar, a cada passo que dava, que Isaque não compartilhava dos meus princípios. Ele não era cristão, não seguia os valores que para mim eram inegociáveis. Eu já havia decidido: o homem que Deus colocaria no meu caminho teria que honrar a Ele primeiro, e depois a mim. E não seria tão cedo que eu me permitiria cair em qualquer tentação. Mesmo assim, era difícil não sentir a atração pulsante entre nós.
Isaque tirou a chave do bolso e abriu a porta do carro com um gesto confiante, esperando que eu entrasse. Permaneci parada, alguns passos à sua frente, sem me mover em direção ao veículo. Ele arqueou uma sobrancelha e o sorriso que surgiu em seus lábios transbordava de presunção.
— Vai ficar aí parada? — perguntou enquanto girava a chave no dedo, com uma provocação clara no tom.
— Acho que sim — respondi, tentando manter a voz firme. — Por que iria com você se tenho meu próprio carro?
— Você nem vai saber chegar — ele riu discretamente, como se a solução óbvia fosse ele.
— Para isso existe GPS — rebati, talvez um pouco mais áspera do que deveria. Ele balançou a cabeça, como se achasse minha resposta levemente ingênua.
Ele apoiou a mão no teto do carro e, por um momento, mordeu o lábio inferior enquanto me observava. Seu olhar, aquele mesmo olhar enigmático que me encarou quando eu cheguei ao escritório, me prendeu por segundos a mais do que eu gostaria. A intensidade dele me fez hesitar, mas mantive meu terreno, mesmo sabendo que ele era meu supervisor e tinha poder suficiente para me demitir se quisesse.
— Pode ir no seu carro, se preferir — ele deu um passo em minha direção, sua presença dominando o espaço entre nós. — Mas não vai achar vaga pra estacionar.
— E por que não? — perguntei, me esforçando para não deixar transparecer o quanto ele mexia comigo.
— Esse restaurante vive lotado. Não restam vagas nesse horário — respondeu com desdém, certo de que eu cederia.
— E você, claro, tem uma vaga especial esperando por você, não é? — ironizei.
— Exatamente — ele sorriu, satisfeito, como se já esperasse que eu compreendesse a “sorte” de estar ao lado dele.
Eu suspirei, irritada e, ao mesmo tempo, fascinada com sua arrogância desconcertante. Além de rico, tinha a confiança de alguém que está acostumado a sempre conseguir o que quer.
— Então, se eu não estivesse com você, eu simplesmente não conseguiria estacionar? — perguntei mais por provocação do que por curiosidade.
— Basicamente isso — respondeu, despreocupado, antes de abrir a porta do carro e entrar. — Te mando a localização pelo WhatsApp.
— Mas você nem tem o meu nú... — antes que pudesse terminar, ele fechou a porta, ignorando meu protesto.
Revirei os olhos e comecei a vasculhar na mente onde havia estacionado meu carro. Me lembrei então, para meu desespero, que o havia deixado na rua, em frente à empresa, fora do estacionamento reservado para funcionários. Era meu primeiro dia e, na empolgação, segui o cliente que estava na minha frente e parei junto com ele.
Suspirei, frustrada, enquanto procurava o celular na bolsa. Notei que Isaque ainda não havia saído com o carro, e só deu partida depois que comecei a andar. Ele passou por mim buzinando, uma provocação sutil, e seguiu em frente.
Respirei fundo, tentando recuperar o controle da situação. Isaque era uma figura intrigante. Eu havia imaginado o “filho do pastor” como alguém introvertido, talvez até amargurado pela revolta com Deus e a igreja. Mas o homem à minha frente era muito mais do que isso — arrogante, sim, mas também cheio de uma confiança que me deixava desconcertada.
E, apesar de todos os avisos internos, não podia negar o quanto ele mexia comigo.
“Senhor, sei que não me daria um fardo maior do que consigo suportar, então me ajude a lidar com Isaque. Não deixe que nada me distraia do meu foco que é o trabalho e crescer profissionalmente. Peço a Ti que quebrante o coração dele, que um dia já permitiu a Tua morada, para que ele seja pacífico comigo. Me dê sabedoria e paciência. Amém.” Fiz uma breve oração em meus pensamentos enquanto caminhava em direção ao carro.
Uma brisa suave me envolveu, e senti uma paz imediata naquele momento. Era exatamente o que eu precisava: a presença de Deus em meio a uma manhã tão agitada.
Sentei no banco do carro, coloquei o cinto de segurança e respirei fundo. Estiquei os braços para me espreguiçar e liguei a multimídia, deixando a música preencher o silêncio. De repente, uma notificação no celular me chamou a atenção, e por um instante, meu coração acelerou. Esperei que fosse Layla, curiosa como sempre, perguntando sobre Isaque e como estava sendo meu primeiro dia.
Mas, ao abrir a notificação do WhatsApp, meu coração quase saltou do peito.
— Como ele conseguiu meu número? — falei alto, surpresa. — Já não basta na empresa, vou ter que lidar com ele no WhatsApp também? E olha que é só o primeiro dia, Anne, apenas o primeiro dia! — exclamei, frustrada.
Sei que devo conhecê-lo primeiro antes de julgá-lo, mas Isaque mostrou-se com ar de superioridade justamente ao nos conhecermos, e como dizem: “a primeira impressão é a que fica”. Talvez ele me surpreenda, ou talvez ele realmente seja um homem arrogante e cheio de desdém, mas não me interessa, eu estava ali para trabalhar.
Joguei o celular no banco do carona, minhas mãos tremiam, sem saber como reagir. Eu estava dividida entre a raiva pela ousadia de Isaque e uma sensação de nervosismo, por algo que eu nem conseguia nomear.
Isaque: Te mandei a localização, se encontrar vaga, procure por Sr. Campbell.
Fiquei sem saber como responder. Um simples “certo”, um “ok”, ou algo mais frio? Enquanto ponderava, abri sua foto de perfil. Lá estava ele: sério, com aquele olhar enigmático, um sorriso discreto de canto de boca e sua beleza presente.
Anne: Certo.
Antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, meu dedo escorregou no celular e, sem querer, apertei o botão de “ligar”. Desliguei o mais rápido possível, meu coração disparado. Fiquei ali, parada, encarando o celular, esperando para ver se ele retornaria a ligação ou apenas ignoraria o incidente.
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Entre a Fé e o Amor
RomanceUm homem cristão, filho de pastores e herdeiro de uma grande empresa renomada, renunciou a sua fé quando passou por duas grandes perdas. Embora seu coração estivesse endurecido, uma jovem mulher veio para trazer luz à sua vida e ajudar-lhe a restaur...