Escolhas e mentiras

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Kilton insistiu para que eu o deixasse acompanhar-me até a entrada da floresta, mas não passou disso. Quando chegamos à borda do bosque, ele parou para se despedir.

— Tem certeza disso? — ele perguntou, seus olhos expressando uma preocupação profunda. — Você ainda pode tentar de novo.

Suspirei, observando as árvores se movimentarem conforme a dança suave do vento fresco. Eu precisava desse tempo. Tudo aconteceu rápido demais, foi doloroso demais. E quando finalmente achei que encontraria paz e felicidade, a vida me mostrou que nada é tão simples assim.

— Diga ao Damon para me encontrar no primeiro nível quando ele chegar — falei, ainda evitando os olhos de Kilton. — Diga que preciso dele.

Ele era a única pessoa que me dava algum tipo de chão, o único abrigo que eu tinha.

— Eu direi — Kilton respondeu.

Não olhei para trás quando entrei na floresta. Eu só queria ir, só queria um momento de paz.

Mas as palavras gritavam em meus ouvidos.

Fraca.
Covarde.
Inútil.

Estava assustada demais para encarar isso de uma vez. Quando adentrei a floresta, quase senti ela me abraçar, como um consolo.

Eu nunca deixaria de admirá-la. As folhas dançantes, as flores vibrantes, e os cactos carinhosos. Senti um movimento à minha esquerda assim que estava bem no meio da floresta. Virei-me para ver Syra em sua forma "humana", sobre seus dois pés. Ela tinha um sorriso gentil no rosto, parecia feliz.

Eu não pude deixar de sorrir para ela quando a vi vindo em minha direção e logo me abraçando como se eu tivesse ficado fora por anos.

Ela sempre agia assim, como se estivesse se preparando caso eu partisse novamente.

— Veio nos ver? — ela perguntou, sorrindo depois de me soltar.

— Mais ou menos — respondi. — Pode me levar ao primeiro nível?

Ela assentiu sem demora. Segurou meu braço com suas mãos úmidas e frias, me puxando na direção do primeiro nível.

Caminhamos por alguns minutos, enquanto Syra falava sobre como estava sendo viver em união com a trindade. Flora estava animada com tudo que estava acontecendo e Anyma estava de bom humor. Gostava de saber que, pelo menos nisso, eu não havia errado. Pelo menos isso eu consegui.

De repente, a floresta repleta de árvores começou a desaparecer. À medida que andávamos, as árvores diminuíam até que não havia mais nenhuma. E à minha frente estava agora um paraíso que jamais havia visto pessoalmente.

No sopé da majestosa cascata que descia com força das alturas, havia um vale verdejante e sereno, repleto de vida e alegria. Diversas casinhas de madeira, pintadas em cores suaves, estavam espalhadas pelo campo, cada uma rodeada por jardins floridos e hortas bem cuidadas. A água límpida da cachoeira formava um riacho que serpenteava pelo vilarejo, fornecendo um som calmante e refrescante que se misturava ao canto dos pássaros.

As pessoas de bom humor cuidavam de suas plantações e dos animais com sorrisos genuínos nos rostos. Crianças corriam pelos campos, brincando e rindo, enquanto os adultos trocavam histórias e ajudavam uns aos outros nas tarefas diárias. Vacas pastavam tranquilamente na grama verde, enquanto alguns aldeões conversavam amigavelmente ao lado das cabanas, suas vozes misturando-se ao som constante da natureza ao redor.

As hortas estavam cheias de vegetais e ervas frescas, e os jardins exibiam uma variedade de flores coloridas, perfumando o ar com seu aroma doce. Aqui, a vida seguia um ritmo calmo e harmonioso, onde cada dia era uma celebração da comunidade e da beleza natural que os rodeava. Esse pequeno vilarejo, protegido pela presença imponente da cascata e envolto pela tranquilidade das montanhas, parecia um pedaço de paraíso perdido no tempo.

Falando no Diabo - Elo do submundo (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora