A Carta

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Becky não soube contar por quanto tempo ficou encarando aquele desenho sem saber direito o que iria fazer com ele. As figuras que ela desenhava eram aleatórias, porém, sempre remetiam a mesma forma. Mas nunca... Nunca pareceram com uma pessoa. Ela nunca pensou que seus desenhos pudessem ser direcionados a alguém, ainda que inconscientemente.

Largou o desenho para o lado e rolou na cama, pensando no que fazer. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo com ela, ainda que ela não conseguisse decifrar o que era exatamente. Becky nunca achou que pudesse houver uma pessoa no mundo como Freen e ela estava começando a temer que suas atitudes (retardadas) diferentes pudessem afastar a mulher dela. E não era isso que a garota queria, visto que havia se esforçado ao máximo para se comunicar com a mulher.

O problema era que os esforços da menina não eram suficientes e ela se sentia horrível por isso. Qual era o problema em abrir a boca para dizer um "obrigado" ou um "Boa noite para você também"? Quer dizer, eram coisas tão normais, todo o mundo fazia isso. Menos ela.

Mas havia uma coisa que ela podia fazer. Uma coisa que não a deixaria com vergonha ou não a faria travar completamente. Isso porque, como ela mesma havia acabado de constatar, ela travava quando via Freen e não quando a ouvia... E isso lhe dava uma boa ideia.

Ok, sem todo esse clima de suspense. Talvez fosse idiota ou até mesmo infantil, mas era a única coisa que ela podia fazer para manter contato com Freen sem parecer uma retardada. Apesar de que o que ela estava pensando era deveras idiota, mas era a única coisa inteligente que ela conseguia fazer no momento.

A melodia parou e ela deduziu que Freen havia acabado de tocar. Suspirou tristemente por isso e fechou a janela, cessando o vento gelado que vinha lá de fora. Poucos minutos depois a porta da frente bateu e ela sabia que era sua mãe chegando. Talvez fosse legal falar sobre isso com ela, ainda que a menina não tivesse a mínima ideia do que falar. Apenas sabia que queria compartilhar o que estava acontecendo com alguém e sua mãe era a única pessoa com a qual ela falava.

Abriu a porta de seu quarto e espiou o corredor, ficando em pânico somente com a ideia de encontrar com Freen. Não era o tipo de coisa que ela achava que precisasse agora. Foi até o quarto de sua mãe, que se encontrava vazio. Deveria estar lá embaixo e temeu que Freen estivesse com ela, impedindo que a menina conversasse com a sua mãe. Nesse aspecto, Becky achava que o fato da mulher estar morando aqui era muito útil.

Dona Regina quase não conversava com a filha, pois a mesma se recusava a manter um diálogo de mais de cinco minutos com ela e era obrigada a aceitar isso. Já Freen podia tagarelar com ela horas e horas sobre qualquer coisa, rendendo-lhe uma boa distração e ótimas gargalhadas. Becky gostava de ver a sua mãe feliz desse jeito, embora achasse que ela precisasse de um companheiro para fazê-la completamente feliz. Achava a mãe muito sozinha, embora soubesse que era a última pessoa do mundo que podia julgar o grau de socialização alheio.

Encontrou dona Regina sentada no sofá, assistindo televisão na sala. Completamente sozinha, o que era a melhor parte. Antes de se sentar no sofá e abrir a boca, ela precisava se certificar de que Freen não iria aparecer do nada e atrapalhar a conversa das duas.

-Mãe... Você sabe onde ela está? - Becky perguntou olhando para os lados, como se fosse atravessar uma rua ou estivesse fugindo de alguém.

-Sarocha? - Assentiu. - Ela saiu com um pessoal da faculdade. Disse que só vai voltar de noite. - A menina se sentiu aliviada e se sentou ao lado da mãe.

-Melhor assim. - dona Regina encarava a menina com curiosidade, já que era uma das poucas vezes que a garota se aproximava dela sem o caderno de desenho na mão ou qualquer outra coisa que pudesse desviar sua atenção depois de algumas palavras baixas trocadas. - Quero... Conversar com você.

Meu Porto Seguro É Você 🔐 (Freenbecky)Onde histórias criam vida. Descubra agora