CAPÍTULO 36: A carência junto à paixão é como uma bomba relógio

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Como uma mariposa em direção à chama
Eu te atraio, eu te afasto
Do que você precisa inicialmente
Moth to a Flame,
The Wekeend feat. Swedish House Mafia

...

UM ANO ANTES

B E L L A

— Pai, estarei indo para Florença, então não me espere no Natal, beijinhos! — Termino de mandar o áudio pelo celular com uma careta nenhum pouco discreta assim que saio do check-in de embarque. Só de me imaginar presa na mansão Aguiar com meu pai, meu irmão gêmeo e uma de suas ficantes do mês, meu estômago revira.

Por esse e por outros motivos, comprei passagens para a Itália, estou no aeroporto e não vejo a hora de ver minha nana materna, ou seja, minha vó ou, como gosto de chamar, a única pessoa que amo e que presta na minha família. Além disso, não vejo a hora de passear por Florença e me desconectar de todos os problemas que o trabalho no Ministério Público me trás.

"Atenção, passageiros do voo com destino à Florença, Itália, dirijam-se aos seus devidos lugares. Decolaremos em trinta minutos. Repetindo: decolaremos em trinta minutos." — A voz mecanizada que sai pela caixa de som do aeroporto chama minha atenção, e não perco tempo em pegar minhas duas malas e a bolsa pesada de ombro, mesmo com um pouco de dificuldade. Nunca se sabe quando irei precisar de algo, então prefiro levar tudo de uma vez.

O fluxo de pessoas está considerável hoje se tivermos em conta que muitas famílias viajam para o exterior, a fim de passarem as férias de fim de ano. Inclusive, neste momento, o casal que está na minha frente na fila de entregar as bagagens conversa entusiasmado sobre como estão felizes por, finalmente, o filho mais velho deles ter conseguido um emprego numa indústria de grãos de café como gerente de produção ao ponto de sorrirem e ficarem abraçados como pessoas normais e orgulhosas pelas conquistas dos seus.

Viro o rosto ao vê-los darem um selinho, tentando não ouvir mais a conversa comum e do dia a dia, mas que me gera lembranças desconfortáveis e invejosas.

Minha família nunca comemorou a vitória de nenhum de nós, apenas participávamos de eventos que vangloriavem as conquistas financeiras da empresa, mas não passava disso. Quando chegávamos em casa, voltávamos a sermos estranhos com papai se afogando em bebidas para não olhar em nossa cara, meu irmão sumindo na noite e eu estudando para um dia conseguir fugir daquele lugar que chamava de lar.

E, sim, por mais que a maioria das pessoas me vissem apenas como um "rostinho bonito descartável" (incluindo meu próprio pai), sempre fui uma excelente aluna em tudo que pretendia fazer, o que me gerou excelentes pontuações na faculdade pública que passei do Rio Grande do Sul e um emprego decente e estável em Santa Catarina — mesmo que minha renda bruta fosse bem pequena ao que fui acostumada, por isso criei meus jeitinhos de conseguir mais dinheiro. Fora isso, tenho uma vida boa o suficiente para ter aquilo que quero na hora que bem entendo.

— Obrigada. — Agradeço de forma seca assim que deixo minhas malas, ficando apenas com a bolsa de ombro pesada onde estão meus documentos, e saio para o local de embarque.

Por sorte, tudo ocorre bem e rapidamente estou sentada na minha poltrona da classe executiva, visto que comprar uma passagem na primeira classe e declarar isto no imposto de renda seria suspeito demais em comparação ao meu salário no Ministério, então prefiro me contentar com isso a ter a polícia federal batendo na minha porta a qualquer momento.

Respiro fundo, encosto a cabeça e fecho os olhos, relaxando as costas assim que uma aeromoça guarda minha bolsa no bagageiro de cima.

— Ao menos o estofado é confortável... — Falo sozinha, contemplando o início das minhas horas de paz.

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