Corações & Erros || ✔

CAPÍTULO 35: À flor da pele

Tantas manhãs eu acordei confusa
Nos meus sonhos eu faço tudo que quero com você
Minha emoções estão à mostra
Elas estão me deixando louca
Shameless,
Camila Cabello

...

ATUALMENTE

B E L L A

Eu nunca pensei que sentiria esse tipo de sentimento, mas estava totalmente enganada... Amar alguém de uma forma tão profundamente romântica como amo agora deveria ser considerado crime, pois nós ficamos bobos, trouxas, suscetíveis a fazer coisas as quais consideraríamos loucura, uma estupidez! Entretanto, vendo do ponto de vista sentimental e interior da minha alma, nunca senti algo parecido com isso e, sinceramente, não quero parar de sentir. Este homem que domina meus pensamentos, suspiros, desejos e palavras é o motivo dos meus sonhos mais sórdidos e da minha razão abalada ao ponto de não me importar com as consequências, tanto que engravidei do infeliz, estou sentada numa maca de hospital após trinta minutos de um parto normal bem rápido até e com o semblante cansado pelo esforço.

— Como está se sentindo, senhora? — A enfermeira responsável por meus cuidados pergunta com um sorriso no rosto pálido demais, mas minha primeira reação é uma careta azeda de quem chupou limão.

— É senhorita, não sou casada e muito menos velha. — Minha voz sai áspera.

A mulher fica vermelha como um tomate de vergonha ao ponto da cor forte se distribuir em suas orelhas também.

— Desculpe-me, não quis ofendê-la, senhori-

— Tanto faz. — Interrompo sua fala com certa pressa. Não estou aqui para ter conversas amenas com enfermeiras enxeridas que faltam babar nos médicos; pois, se ela pensa que não vi os sorrisinhos que trocava com o obstetra que fizera meu parto, bom, está bem enganada, já que eles não disfarçavam, mesmo que a aliança de ouro fosse visível no dedo anelar esquerdo dela a quilômetros de distância, enquanto o homem não a tinha, ou seja, há algo a mais aí. Depois ficam ofendidas pela fama ruim! 

No momento, quero apenas arrumar o cabelo vermelho que deve estar uma bagunça e lavar o rosto. Como saí correndo sozinha de casa pelas fortes contrações, nem me importei de parecer minimamente decente. De qualquer forma, quem eu realmente queria que estivesse aqui ainda não deu o ar da graça.

— Preciso parecer uma pessoa normal, teria como fazer o seu trabalho e trazer uma pano úmido? Estou suando aqui. — Resmungo olhando por todos os lados a procura de algum funcionário mais competente. — Se possível, me arranja uma xuxinha de cabelo ou um pente, não sei. Só seja útil, não tenho muito tempo.

— Mas a sua filha, ela-

— Antonela está bem, o enfermeiro neonatal veio me avisar a dois minutos atrás. — Torço o nariz sem olhar em seus olhos confusos, mas percebo pela visão periférica que a enfermeira anuiu com a cabeça. 

— Tudo bem, irei buscar a toalha e o prendedor de cabelo agora mesmo. — Pela forma como as palavras saíram de sua boca com um teor falsamente submisso para fazer o que pedi, ela está definitivamente com um bolo de insatisfação pulsando em sua garganta pálida. Entretanto, o medo deve ser maior; afinal, ela está falando com a mãe da filha única de um dos médicos mais renomados da Baía Sul na última década.

Assim que a mulher sai, fico sozinha naquela sala de tamanho considerável, paredes brancas e silenciosa como o inferno. Respiro fundo, contendo uma crise de raiva e indignação por não poder sair daqui na hora que quero.

— Eu odeio hospitais! — Grunho e jogo a cabeça contra o travesseiro duro com os olhos fechados para não ver como estou vulnerável e presa aqui.

O porquê disso? Bom, digamos que minha infância tenha sido uma merda do início ao fim, incluindo uma adolescência que se quer me permitiu ser eu mesma com um pai narcisista e um irmão gêmeo — e mais velho por apenas três minutos — igual a ele que não falo desde que saí de casa aos dezoito anos, mesmo que fosse obrigada a ouvir as lorotas de Joaquim Aguiar (empreiteiro de uma rede de  farmácias com uma quantidade de poder considerável e um desgraçado no quesito pessoal) por me sustentar durante a faculdade de Direito. Entretanto, ele era obrigado por lei a fazer isso, então a mesada miserável de apenas vinte mil por mês era sua esmola para mim.