CAPÍTULO 26: Entre sorrisos falsos, cartas em guardanapos e cafés

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Para onde você corre
Quando está desmoronando?
Para onde você corre
Quando está gritando agora?
Where Do You Run,
The Score

...

UM ANO E MEIO ANTES

Y A S M I N

O cheiro do café preto que se espalha pela cafeteria junto às massa de bolinhos, pães, bolos e biscoitos recém assados me fazem respirar profundamente, fechar os olhos com força e estrelar o dedo mindinho num tic-tac nervoso por pensamentos mais conflitantes ainda do que poderia descrever. Entretanto, sou impedida de continuar minha áurea pensativa no momento em que uma voz me interrompe:

— Bom dia, senhora! O que irá querer nesta manhã? — O garçom da cafeteira me pergunta de forma educada, enquanto segura um ipad para anotar o meu pedido.

Sorrio da mesma maneira e olho uma última vez o cardápio cor de chocolate com um design de desenhos fofos de grãos de café e doces para pedir um cappuccino de avelã e um pedaço de bolo de chocolate com morango para comer aqui mesmo.

Minha cabeça está perdida demais para ficar em casa sozinha, então acredito que um momento a sós comigo mesma me fará pôr as coisas em seus devidos lugares. De qualquer forma, só terei que buscar os meninos às onze e meia.

— Certo, irei trazer seu pedido em alguns minutos. — Se despede com cortesia e segue para atender a próxima mesa com um casal de jovens sentados.

Suspiro de forma quase imperceptível e viro o rosto para uma das janela de modelo antigo da prédio histórico onde hoje fica a Cheiros e Sabores de Café, a fim de observar o movimento considerável, mas ao mesmo tempo tranquilo da rua Deodoro no centro de Florianópolis com seus diversos estabelecimentos comerciais e algumas poucas construções antigas do século XIX, como a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, construída entre 1802 e 1815.

Coloco uma mexa de cabelo cacheado — o qual cresceu bem rápido desde que o cortei joãozinho, mas confesso que estranhei um pouco no início a falta dos dreads depois de tantos anos — atrás da orelha e apoio o queixo na mão esquerda que está sobre a mesa retangular de vidro, antes de tocar com carinho minha barriga com a outra mão, sorrindo no processo.

Ainda é surreal imaginar que estou grávida novamente depois da gravidez tão delicada dos gêmeos... Entretanto, é como Bruno me disse uma vez: não somos nós quem decidimos, é Deus e Ele quis que tivéssemos mais um bebê para chamar de nosso, então devemos ser gratos a isso.

— Eu não deveria ter agido daquela forma... — Sussurro, e lágrimas teimam em querer aparecer.

Bruno sempre esteve comigo, não tinha um porquê exato de agir e continuar agindo de um jeito ignorante e raivoso com ele — meu marido não tem culpa de eu estar doente. Além disso, é só uma hipótese, um exame bobo que pode ter apresentado os resultados errados, nada daquilo é uma confirmação concreta de que estou realmente com câncer.

Fecho os olhos com força mais uma vez.

Apenas pensar nessa palavra maldita me traz uma sensação ruim por inteiro, inclusive no espírito. É como se o destino estivesse brincando com meus sentimentos mais uma vez ou como se eu não passasse de um entretenimento de um programa vespertino de mal gosto; afinal, a Yasmin de anos atrás sofreu — e ainda sofre internamente, mas não na mesma intensidade — com o tratamento e morte da mãe por leucemia.

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