Beth

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Eu estava paralisada, sem acreditar no que estava vendo. O homem que havia se apresentado como o líder, Victor, parecia desconcertado, e sua expressão endureceu quando Beth se aproximou, assumindo o controle da situação. Não era mais aquela adolescente vulnerável que eu lembrava. Beth estava mais madura, com uma postura firme e uma confiança que deixava claro que ela tinha passado por muita coisa. No entanto, o sorriso gentil ainda estava lá, um resquício da pessoa que ela foi um dia.

Ela me olhou com curiosidade por um momento, mas não me reconheceu de imediato. Então, seus olhos pousaram em Carl e no chapéu de Rick sobre sua cabeça. Foi como se uma lâmpada se acendesse em sua mente, conectando as peças do quebra-cabeça. Um sorriso nostálgico surgiu em seu rosto.

— Eu sabia que vocês iam acabar ficando juntos — ela disse, se aproximando com uma risada suave. — Entrem.

Beth nos guiou para dentro e nos levou até uma sala que, há muito tempo, provavelmente foi um consultório médico. Era simples, com móveis envelhecidos, mas bem organizados. Sentamos em cadeiras que rangiam com o peso dos anos, enquanto ela puxava uma cadeira e se sentava diante de nós, pronta para conversar.

— Depois da queda da prisão, as coisas foram muito difíceis — começou Beth, sua voz um pouco distante enquanto relembrava o passado. — Fui encontrada pelo antigo líder deste lugar. Eles cuidaram de mim, e, com o tempo, ganhei a confiança deles até chegar à posição que estou hoje. Mantemos este local funcionando ajudando pessoas perdidas, dando abrigo e cuidados médicos para quem precisa. Muitos que chegam aqui estão à beira da morte, física ou emocionalmente. Aqui, tentamos curá-los, tanto quanto possível.

A maneira como ela falava mostrava uma maturidade que eu não esperava, mas também um cansaço oculto. A responsabilidade de liderar esse lugar claramente pesava em seus ombros.

— E a minha irmã? Como ela está? — Beth perguntou de repente, seus olhos fixos nos meus, cheios de esperança.

Eu respirei fundo antes de responder, sabendo o quanto aquela notícia significava para ela.

— A minha mãe está grávida. O bebê está quase nascendo — respondi, tentando não deixar que a tristeza que eu sentia se manifestasse.

Os olhos de Beth brilharam de alegria, e um sorriso verdadeiro iluminou seu rosto.

— Eu fico tão feliz de saber que vocês estão bem — disse ela, se sentando de volta, a mão trêmula tocando os lábios, como se estivesse tentando conter a emoção.

Mas, em seguida, seu olhar mudou ao cruzar com o meu. Havia preocupação e tristeza em seus olhos.

— Bom, nem todos, né? — completou, sua voz mais baixa, quase como um lamento.

Aquelas palavras me atingiram em cheio, porque, de alguma forma, eu sabia que ela estava certa. Eu não estava bem, e a verdade estava estampada no meu rosto, nas olheiras profundas, no cansaço que parecia me consumir dia após dia. Beth percebeu isso, e o silêncio que seguiu foi pesado.

— Estamos aqui para tentar mudar isso — disse Carl, quebrando o silêncio. Sua voz estava cheia de determinação, como sempre.

Beth assentiu, recuperando a compostura.

— Vamos fazer o que pudermos. Mas saibam que, neste mundo, tudo é uma luta constante. E, se vocês estão dispostos a lutar, então também estamos.

Eu apenas assenti, sabendo que aquela era uma nova etapa em nossa luta pela sobrevivência, mas agora, com a ajuda de alguém que, inesperadamente, fazia parte da nossa história e das nossas vidas.

Eu estava em um turbilhão de emoções enquanto ouvia Beth e Carl discutirem os próximos passos. A visão dela, agora tão diferente da garota que eu lembrava, trazia à tona memórias confusas e contraditórias. Por um lado, havia a nostalgia de tempos mais simples, quando tudo o que importava era sobreviver mais um dia. Por outro, estava a crueza da realidade em que vivíamos, onde cada decisão carregava o peso da vida ou da morte.

Beth parecia tão à vontade no papel de líder. A postura dela era segura, quase imponente, mas não perdeu aquele brilho gentil no olhar. Quando ela sorriu e concordou em ir para Alexandria, senti uma pontada de esperança no peito, algo que há muito tempo eu não permitia florescer.

— Claro, a gente aproveita e traz quem precisar. E andamos logo com isso — ela disse, olhando para Carl com firmeza.

Essas palavras acenderam uma fagulha dentro de mim. De repente, a possibilidade de ter uma vida além do medo constante parecia mais real. Eu queria acreditar que, com os recursos certos e o apoio das pessoas que se importavam comigo, eu poderia superar a doença que me corroía por dentro.

Mas, ao mesmo tempo, a ansiedade crescia. Era como se, a cada batida do meu coração, a dúvida sussurrasse que isso era bom demais para ser verdade. E se não desse certo? E se, depois de tanto esforço, tudo desmoronasse de novo? Afastei esses pensamentos, forçando-me a focar na esperança.

— Vai ser bom pra todos verem você de novo, Beth. Eles precisam desse tipo de notícia — disse Carl, tentando injetar otimismo na conversa.

Beth sorriu de novo, mas havia uma sombra de tristeza nos seus olhos. Ela sabia, assim como nós, que nem todos os reencontros trariam alegria. Algumas feridas são profundas demais para serem curadas apenas com palavras ou lembranças.

— Estou ansiosa para rever todos — respondeu ela, mas o tom de sua voz carregava a sabedoria de quem já viu o pior e aprendeu a esconder o que realmente sente.

Quando finalmente deixamos a sala, percebi que aquele breve momento de tranquilidade já parecia distante. Estávamos nos preparando para enfrentar mais um caminho cheio de perigos, mas agora, eu tinha uma motivação renovada. Tinha uma chance — real e concreta — de lutar pela minha vida com mais intensidade do que nunca.

Enquanto caminhávamos pelos corredores do hospital, a ansiedade ainda me apertava o peito, mas junto dela, algo mais vibrava: uma força que eu achava ter perdido. Sabia que o caminho à frente não seria fácil, mas, com Beth ao nosso lado, parecia que a luta valeria um pouco mais a pena. Mesmo no meio da escuridão, eu podia vislumbrar um fio de luz.

E eu não estava pronta para deixar esse fio escapar.

Runners •ᴄᴀʀʟ ɢʀɪᴍᴇsOnde histórias criam vida. Descubra agora