Capítulo 26 - Perto Demais da Verdade

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Duas horas da tarde, o relógio na parede marcava

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Duas horas da tarde, o relógio na parede marcava. Desde que tive aquela maldita crise, não saio desse sofá. Essa casa, cheia de memórias da infância, me atormenta. Descobrir que minha avó não é minha avó biológica foi doloroso demais. Pietro saiu apenas para buscar seu laptop e comprar algo para tentar fazer eu comer. Eu estava tão mal que nem conseguia me alimentar, e ele percebeu pelo meu semblante pálido.
 
Ele não me deixa sozinha, e eu me sinto um peso. Não quero dar trabalho, mas também não posso prometer que não terei outra crise. Confesso, tenho medo de ficar sozinha, mas não diria isso em voz alta.
 
— Eu sei que tudo isso é estranho para você e que talvez me odeie, mas você não precisa disso agora. Você só precisa de alguém para conversar e sentir que tudo vai ficar bem. E eu estou aqui para isso. Não vou te deixar sozinha depois do que vi hoje, não posso arriscar perder você.
 
Suas palavras ecoam na minha mente. Tudo está acontecendo rápido demais, e eu nem sei por onde começar a arrumar. Agora, o que me consome é essa mentira em que vivi.
 
— Obrigada, Pietro, isso é muito gentil da sua parte.
 
Ele ri. — Gentil? Nós dois sabemos que não sou nada disso. Ele abre o laptop. — Só precisamos colocar os dados de seus pa… Digo, deles e tudo aparecerá na tela em segundos.
 
Ele percebe meu desconforto ao quase dizer a palavra “pais”. Mais cedo, dirigiu até a sua casa, mas antes insistiu muito para que eu fosse junto. Não queria me deixar sozinha, mas eu garanti que ficaria bem.
 
— Estou impressionada com seus dotes para hackear — digo, enquanto digita habilmente. Ele me lança um olhar engraçado, e eu dou um leve sorriso de canto.
 
— Pronto, aqui estão os dados, endereço, nome completo, IP, localização, familiares... — Ele pausa, e meu estômago revira. Me aproximo mais da tela.
 
— O que é isso? — pergunto, apontando para um nome: “Fondazione Cuore di Maria”.
 
— Vou pesquisar. — Em minutos, o Google revela que é um orfanato. Minhas mãos ficam frias e começo a tremer.
 
— Está tudo bem? Podemos parar se quiser.
 
— Não, vamos continuar. — Digo, engulindo em seco.
 
— Parece um orfanato simples. Fica a quarenta minutos daqui. Se quiser, podemos dar uma passada lá. — Ele diz, me olhando aflito.
 
As lágrimas começam a escorrer e tento disfarçar, mas já é tarde.
 
— Ei, passarinho, não precisa esconder de mim. Pode chorar. Estou aqui para o que precisar.
 
— Vamos hoje mesmo — digo, surpreendendo até a mim com as palavras. Pietro me olha por um tempo, perguntando se tenho certeza, e eu apenas me levanto. Uma tontura me invade e eu tento me segurar no sofá.
 
— Aurora! — Ele se levanta e me pega antes que eu caia. — Você está bem?
 
— Sim, acho que é porque não como desde ontem.
 
— Meu Deus, você precisa comer. Está pálida e com os lábios ressecados. Vou te ajudar. — Ele me apoia nos ombros e me leva até a cozinha.
 
— Fica sentadinha aí. Vou preparar algo delicioso. Que tal um Risotto?
 
— Não finja que não sabe que é minha comida favorita. Até ontem, você era minha sombra, um stalker totalmente obcecado. — Dou uma risada fraca.
 
— Bom, eu não deixei de ser nenhuma dessas coisas — diz e dá uma piscadinha que me faz sorrir novamente.
 
— Você cozinha muito bem — digo, enquanto levo outra pequena garfada à boca.
 
— Não me enrola, Aurora. Come tudo. — Reviro os olhos, mas continuo comendo.

                               ***
 
— Agora que está alimentada, podemos ir. Vai dizer que tem medo de moto?
 
— Não, eu só... — Tá, confesso, tenho medo. Nunca andei nisso aí — falo, apontando para um veículo que só se vê em filmes. Aquilo era de outro mundo.
 
Ele sorri, colocando um capacete de cor preta na minha cabeça. — Pronto, agora você está segura. Só tem que se segurar em mim, e tudo ficará bem. Ele arruma o dele rapidamente e me ajuda a subir na moto. Com dificuldade consigo, a calça jeans raspa nos ferimentos do meu joelho, mas tento ignorar isso.
 
O caminho até lá foi terrível. Quase vomitei, não sei se de nervosismo ou de medo de nos acidentarmos. Pietro disse que ia ir devagar, mas quando olhei no painel, estava a mais de 200 por hora. Tive vontade de estapear ele, mas estava agarrada em sua cintura de maneira tão forte que mal me mexia.
 
O lugar era como na fotografia que o Google disponibiliza. Grande, com grades, as paredes cinzentas estavam descascando, os vidros das poucas janelas estavam com rombos enormes. O silêncio só era quebrado por risadas de crianças ao fundo.
 
— Você tem certeza mesmo disso? — pergunta, com um olhar preocupado.
 
— Eu tenho, preciso saber a verdade sobre mim. — O homem em pé ao meu lado apenas assente. Agora, lado a lado, eu conseguia notar como eu ficava pequena perto dele. Meus 1.62 não me ajudavam muito. Ou eu era pequena demais, ou ele era enorme demais.
 
Sinto um calor reconfortante quando ele pega na minha mão, me encorajando. Aperto a campainha duas vezes, e uma mulher de cabelos grisalhos aparece. — Boa tarde, como posso ajudá-los?
 
— Oi, boa tarde, meu nome é Aurora. Será que poderíamos entrar um minutinho? Eu morei aqui por um tempo. Minha mãe pediu para que eu viesse buscar meu histórico, ela precisa para o júri amanhã. Ela e meu pai estão se separando, e quando se tem filhos, as coisas ficam complicadas. — Minto, e faço tão bem que até eu me surpreendo.
 
A mulher me observa, talvez sentindo o cheiro de mentira, mas mantenho a calma. 
 
— Claro, querida, entre. — diz, finalmente destrancando o portão. — Vou chamar Miranda para falar com vocês.
 
Meu celular vibra no meu bolso da calça, quando olho na tela, é Lorenzo, ele tem deixado várias mensagens e ligações, mas não o respondo. Guardo o telefone novamente. Estávamos no que parecia ser uma recepção, de relance percebia os olhares preocupados de Pietro. Uma mulher de aparência madura aparece. Quando nossos olhos se encontram, sinto uma angústia. Eu a conhecia.
 
— Boa tarde, em que posso ajudar?
 
Pietro me dá um leve cutucão, me trazendo de volta. — Pigarreei, limpando a garganta antes de falar. — Boa tarde, preciso do meu histórico. Fui adotada por Elizabeth Fiore Martinez. — Ao ouvir esse nome, a mulher tem um semblante de espanto, mas logo se recompõe.
 
— Vamos ver — diz, empurrando no balcão uma pasta cheia de envelopes. — Aqui está. — Ela me entrega um envelope pesado. — Preciso que traga isso de volta amanhã. Sinto muito pelo divórcio dos seus pais. Lembro o quão unidos eles eram.
 
Engulo em seco, meus olhos quase se enchem de lágrimas, mas o homem ao meu lado corta o clima. — Vamos, amor, está quase na hora da Sarah sair da creche. — Franzo o cenho, não entendendo a intenção dele. — Nossa filha tem seis anos, segundo dia de creche, a adaptação tem sido difícil. — Diz, fazendo a mulher sorrir e concordar. Percebo que a informação é mais para mim entender e entrar na dele do que para ela.
 
— Claro, verdade, amor. — Noto como o homem ao meu lado se anima quando o chamo por esse apelido. Me seguro ao máximo para não revirar os olhos. 
 
—Obrigada, dona Miranda. Amanhã, quando terminar o processo, eu trago os documentos de volta na mesma hora.
 
— Claro, querida. Mande um beijo para sua mãe. Foi um prazer. Quando quiser nos visitar, as portas estarão sempre abertas. — Forço um sorriso, aperto sua mão, e ela também cumprimenta Pietro.
 
Assim que saímos, solto a respiração que estava presa nos pulmões e lágrimas rolam em meu rosto. Eu precisava descobrir a verdade.
 
O caminho de volta foi mais tranquilo. Meu medo da moto diminuiu, mas, em compensação, só conseguia pensar no que encontraria naqueles documentos e se estava pronta para enfrentar tudo isso.

Perseguição SombriaOnde histórias criam vida. Descubra agora