Capítulo 2

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POV FERNANDA

-Fernandinha, você cresceu tanto!-tia Ana não era minha tia de sangue, mas eu tratava como se fosse. A mulher mais velha me puxou para um abraço e me segurou por um tempo como se não acreditasse que eu estivesse ali.-Você tá linda, minha filha.

-Obrigada tia.-segurei sua mão enquanto ela continuava a olhar todos os detalhes do meu rosto e eu preocupada se a maquiagem estava cobrindo o hematoma. André estava fechando a porta da casa da mãe enquanto conversávamos.

Eles tinham uma relação muito bonita desde a separação, André fazia de tudo pela mãe e tinha pouco tempo que ela tinha se mudado para dar espaço para a barbearia do filho e independência dele, ela era enfermeira aposentada e manicure para fazer um extra, uma verdadeira inspiração. Meu tio tinha sido um safado com ela, a traindo com uma mulher mais nova e tendo filhos fora do casamento, eu sempre achei que meu pai era diferente do irmão, mas spoiler ele podia ser pior.

-Não acreditei quando Junior falou que você estava de mudança, você sabe que a verdade nunca foi o forte dele.

-Que isso dona Ana, tá me desmerecendo?

-Ah filho, mas você sempre aumenta um pouco as coisas.

-Mas a senhora tem razão tia e eu que nem sabia que ninguém aqui conhecia ele como André, mas como Juninho?-falei para implicar.

-Ah, o André que tem aí é drogadinho que só faz dívida então desde a escola o pessoal me chama de Juninho, até prefiro sabe, assim só minhas mulheres me chamam de André.-ele piscou para mim de brincadeira.-Nanda já conheceu Radinho e Lucão mãe e eles já tão gamadinhos nela, mas não são nem malucos de mexer com ela.

-Ah, o Radinho é um rapaz maravilhoso, muito simpático, não liga pro que o Junior fala, o Vagalume me leva no postinho às vezes e também é maravilhoso!

-Primeiro que a senhora só gosta do Radinho porque sempre que vocês se encontram ele te conta uma fofoca nova e nem tenta arranjar o Vagalume pra Nanda que o rolê dele é outro.

-Vagalume?-repeti confusa, esse nome era novo.

-É prima, porque ele dá tanto o rabo que até pisca.-eu tive que rir, vê se pode uma coisa dessas? Tia Ana não achou tão engraçado porque deu um tapa na cabeça de André que eu não sabia se ria de mim ou da própria explicação.-No baile do fim de semana cê vai conhecer um pessoal, mas melhor te dar uma noção de como as coisas funcionam antes.

-Vou até passar um cafézinho, dá licença minha filha.

André pegou o lugar da mãe no sofá e jogou as pernas no meu colo, como fazíamos quando éramos crianças e dividimos a rede. Saudade de um tempo que não volta.

-Dré, aqui é uma confusão gostosinha até.-confessei, já estava gostando apesar do pouco tempo, tive medo no começo, mas até agora fui muito bem recebida.

-Se tiver falando de macho, eu capo eles, hein? Cê nem na boca pode beijar menina!

-Ih, se manca, pela saco.

André arregalou os olhos incrédulo me fazendo rir.

-Cê brinca mais que a brincadeira, né não?-cruzou os braços e olhou pra mãe que estava na cozinha fazendo bem mais que um café.-A mãe não curte muito, mas não julga o pessoal do movimento. Aqui Nanda, é morro, né comunidade não, é favela, tá ligado? Então tem certas regras, hierarquias e essas paradas, tipo o Radinho ele fica no pé do morro com outros olheiros pra avisar pra chefia tudo que acontece, entrada e saída de morador e pessoal de fora.

-Então o movimento é...–eu não queria tirar nenhuma conclusão precipitada, mas tudo parecia bem claro agora pra mim.

-É crime, Fernanda, mas assim esse pessoal fortalece demais os moradores, em tudo mesmo, de escola, lazer, até minha barbearia.-ele continuou.-Tem uns caras que são meus amigos, eu estudei junto com eles, me virar crescer sabe, tipo o Bagre, Souza, Pikachu, Lucão e o Tico.

-Por que tá falando isso tudo como se eu fosse criança?-perguntei levemente irritada,-Poxa, eu vejo televisão, série, leio notícia, não sou tão inocente quanto pensa...

-Foi mal aí te subestimar, mas pra mim tu é como irmã, saca? E cê vir pra cá foi um presente tanto pra mim quanto pra mãe.-André deu de ombros.-E aqui é mundo real, a vida aqui tá mais pra Impuros do que pra Sintonia, Nanda.

POV Souza

Era pica atrás de pica pra resolver e ainda perguntavam porque eu gostava de mulher, vagabundo é foda mesmo.

-Qual foi Radinho, o cara das bebidas chegou e disse que tu num tava lá, que marola é essa?-eu tava sentada atrás da mesa de cara fechada, poucos amigos, Bagre tinha acendido um baseado e tava de pé olhando pro Radinho que sustentava o olhar.

-Ai chefia, eu deixei o Cerol no meu lugar, foi erro dele não me dar o toque quando o fornecedor chegou.-tentou se defender olhando pro Bagre e depois pra mim.-Fui fazer uma parada de boa fé.-ele era um menino novo, mas assumia as responsabilidades, eu queria saber o que tinha feito ele largar o posto no meio do plantão.

-Como que faz baile sem bebida, Radinho? Tenta me explicar isso ao invés de dar desculpa.-Bagre sempre foi meio dramático, ele sabia que Cerol tinha recebido o carregamento junto com Tico e tinham levado pro galpão principal, mas ele queria apavorar o menor e eu não ia me meter, ainda.-Falaram que tu saiu por causa de mulher?

-Quem falou?-normalmente era ele quem sabia de tudo, mas esse era mais um blefe.

-Então, não é mentira?-Bagre tirou a pistola da cintura e colocou na mesa o que me fez ficar de pé, o cara é praticamente meu irmão, mas era esquentado demais.

-Souza, tu tá ligada que o Juninho veio avisar da prima dele, a mina chegou aí mais cedo do que devia e eu tive que dar essa moral, mas aí se deu prejuízo mesmo, pode tirar do meu salário essa grana aí que não tem caô nenhum.

-Menor, a grana é o de menos, a parada é minha palavra. Eu combinei o que com o cara das bebidas? Que tu, filho da puta, ia tá lá embaixo, não o Cerol.-assumi as rédeas da situação.-E a palavra é o que se tem de mais valioso, tá entendendo? Foda-se isso de prima, mandava só o Lucão, mandava até o Cerol, filhão, mas num faltava com sua palavra comigo.-avisei e ele engoliu em seco.-Cerol não tinha que ter te chamado nada porque o erro foi teu e vai sair do teu bolso sim, mas isso vai ser a menor das coisas tá entendendo?

-Tô sim, Souza, foi mal.-ele tava sendo sincero, falava olhando no olho.-Vacilei contigo e com o Bagre, isso num vai rolar de novo não.

-Bom mesmo, que eu num costumo dar segunda chance fácil e você sabe disso.-lembrei da época que ele ficava na salinha de olho durante os interrogatórios e negociações, Radinho ouviu muita coisa e o choque fez ele num contar pra ninguém, mas eu sabia que ele sabia.-Ai Bagre, qual tu acha que pode ser o bônus dele?

-Só acho que ele vai ter que ficar sóbrio no fim de semana porque tu vai dobrar menor, queremos você de olho nos camarotes do baile junto dos vapor e também na entrada do morro, tá entendido?

Radinho assentiu.

-Agora, fala mais aí dessa moradora nova...-homem é foda mesmo, num pode ver um rabo de saia que já quer se engraçar.-Explica isso aí direito, quero foto e tudo.

Radinho olhou pra mim como se esperasse minha aprovação, ele sabia quem realmente mandava ali. Eu tinha ficha limpa, tudo nos conformes e pelo meu vulgo geral achava que era um homem que mandava aqui, mas o Bagre, meu 02, era filho do antigo chefe e ele sim já tinha rodado, então tudo que tinha risco de exposição demais quem ia era ele, mas sempre com instrução minha e ele nem ligava, sempre gostou mais do status, luxo e ostentação do que pensar no que acontecia. Assenti pro Radinho começar a falar, afinal eu tinha que saber quem entrava na minha casa.

-O nome dela é Fernanda, o Juninho disse que ela pediu do nada um lugar pra ficar e por enquanto tá com ele no puxadinho da barbearia. Ela é gente boa, meio tímida, mas depois que se solta...-puxou o celular e começou a procurar.-Ela vai começar a procurar kitnet pra alugar depois de se estabilizar e eu peguei o insta dela no perfil do Juninho, não tem nada suspeito não, Souza, só uma mina do interior querendo mudar de vida.-mostrou o celular, era uma foto do Instagram.

A menina era bonita, uma preta cacheada com um sorriso brilhante, mas atrás dos mais lindos rostos estão as piores surpresas.

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