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Pov:Vn

Sai da farmácia com o bagulho, e meti o pé pra casa, porra, nunca que eu ia imaginar que essa mulher ia tá na minha cama de novo, me considero perdoado, viu.

Vou até a cozinha e pego um copo de água e o comprimido, e entrego pra ela.

- Preciso pegar minha filha - ela diz, me entregando o copo.

- Sua não, nossa - ela revira os olhos.

- Preciso ir pra casa, amanhã eu trabalho.

- Volta pra cá - digo, colocando o copo na mesa de cabeceira.

- Não, não faz nem um ano que eu me mudei, eu não vou voltar tão cedo.

- Pô, nem sei por que tu foi embora. Sei que tu tava só a raiva de mim, mas sair daqui já é demais, né?

- Pra você ver, tava com tanto ódio de você que, se eu olhasse pra você um segundo sequer, seria capaz de cometer um assassinato, que no caso não cairia muito bem pro meu currículo.

- Nossa, que maldade - rimos juntos.

- Vinicius, que barulho é esse?

- Puta que pariu, é invasão - peguei o fuzil, atravessei nas costas, e coloquei o radinho na cintura.

- O quê? Agora? Misericórdia, Vinicius, e minha filha? Minha filha, Vinicius - seus olhos começaram a lacrimejar, e isso acabou me deixando nervoso, puta que pariu.

- Ei, fica calma, tá? Ela tá segura, minha linda. Não vai acontecer nada de ruim - acariciei seu rosto, tentando acalmá-la.

- E você? Toma cuidado, por favor.

- Relaxa, morena. Eu vou voltar e, quando eu voltar, a gente busca nossa princesa. Fica tranquila, tá? E outra, nem sonhe em sair daqui. Não sai daqui por nada, tá ouvindo? - ela apenas concorda.

- Te amo - essa mulher quer me enlouquecer me dizendo um bagulho desses numa hora dessas, puta merda.

- Eu também te amo, morena - dei um selinho rápido nela e saí de casa voando. E parece que, quanto mais o tempo passava, mais os tiros aumentavam. Eu sei muito bem que o BOPE subiu aqui de novo. Eles tão querendo acabar comigo de qualquer jeito. Tô fudido mesmo. Senti o radinho apitar e coloquei na escuta.

- VN, caralho, mete o pé do morro, porra! Dá teu jeito, eles tão atrás de tu, parceiro! Deixa que nós damos um jeito nos cana - Viera diz, ofegante.

- Tá doido, caralho? Tô na rua 7, manda alguém pra cá.

- Deixa de ser cabeça dura, ainda dá tempo de meter o pé! Sai daí logo, porra! - não dava mais tempo, e eu nunca ia meter o pé com a minha favela desse jeito, nem fudendo. Me agachei atrás de um latão de lixo que havia ali. Puta que pariu, meti bala na cabeça de um cana que tava distraído. Uma hora eles vão recuar, quero nem saber.

- Coé, patrão, dessa nós não sai vivo não - escutei o Brenin falar atrás de mim. Quase meti bala na cabeça desse filho da puta. Que me matar de susto, essa desgraça.

- Atira mais e fala menos. Bora sair daqui logo - senti o radinho apitar.

- Patrão, fudeu, vem pra 5 - era o Cadu. Puta que pariu, será que alguém morreu? Nem fudendo. Todo mundo acha que só porque nós temos essa vida, nós não temos sentimento. Pelo contrário, não é fácil perder um irmão, um parceiro de anos, ou até mesmo alguém da família, por causa da vida que a gente leva. Porra, nunca ia imaginar que logo agora isso ia acontecer. Eles agem muito na covardia, tão pouco se fudendo se tem morador indo trabalhar ou criança indo pra escola. Eles chegam com força, armados até o talo, cortando cada beco, cada viela. Mas a gente já tava preparado, ou pelo menos achava que estava. Foi rápido pra caralho. Num segundo, nós estávamos pensando na estratégia, e no outro, eles já estão na nossa frente, armados até os dentes.

- Fudeu... - escutei um sussurro do Brenin atrás de mim.

Eles tão com a Ana Clara.

Nem fudendo. Não pode ser. Como eles sabiam?

Eles pegaram minha mina. Jogaram ela no chão e meteram a arma na cabeça dela.

Naquele momento, tudo parou. Eu olhei pros parceiros. Todos com as armas apontadas pros caveiras. Eu podia ver no olhar deles que estavam prontos pra puxar o gatilho. Mas o capitão... ele não tava de brincadeira. Gritou que era pra gente baixar as armas.

- Abaixa que a gente solta a menina - ele falou. Eu sabia que não ia ser tão fácil assim, mas eu mato e morro por essa mulher. Se esse desgraçado fizer alguma coisa com ela, eu nunca me perdoaria. Nunca.

Eles olharam pra mim, esperando o que eu ia fazer. E ali, naquele instante, eu sabia que não tinha outra saída. Eu não podia arriscar a vida dela.

- Abaixa as armas - eu mandei. Eles hesitaram, mas fizeram o que eu pedi. Fiz o mesmo, coloquei o fuzil no chão e levantei as mãos em rendição. E foi aí que eu vi o brilho no olho do capitão, aquele brilho de quem já tinha decidido tudo antes mesmo de chegar aqui.

Foi rápido. Nem deu tempo de pensar. O disparo ecoou, e eu senti o impacto. Atiraram em mim. Conseguiram o que queriam. Pelo menos, eu vou morrer feliz. Porra, feliz pra caralho.

- Vinicius, não faz isso comigo, por favor - ela se agachou, me fazendo dar um sorriso.

- Te amo, linda - foi a única coisa que eu consegui falar, eu queria poder prometê-la que tudo ia ficar bem, que ia sair dessa, mas as palavras não saíam mais. Cada respiração era mais pesada que a anterior, como se o ar estivesse fugindo, tentei manter os olhos abertos, mas minha visão começou a borrar, como se tudo ao redor estivesse se dissolvendo. Eu apenas escutava seu choro, mas já parecia vir de longe...

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Nada a declarar.

Nada a declarar

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