Miracle

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Ela se revirou no sofá e pôs a folha lilás no descanso de braço para ver a próxima, na qual, como de costume, havia as regras para lidar com os espíritos. Kath já as sabia de cor, mas tinha de ler tudo antes de começar oficialmente a assistência. Parou ao ler a cláusula que proibia o toque.

Quando ela fora acrescentada?

As primeiras diretrizes pareciam estritamente profissionais, mas a última, pelo jeito, fora adicionada nos últimos anos.

Kath imaginou qual dos parentes teria dado motivos para a modificação. Fosse quem fosse, ela apostava que havia herdado boa parte dos genes dele.

— Não sou a primeira Raywatt rebelde.

Um forte ruído a fez olhar para a janela novamente. Tinham de consertar aquela persiana solta. Aquele barulho ia acabar deixando-a maluca.

Já era suficientemente ruim estar molhada e com frio, sem contar que estava morrendo de fome, pois nem tivera a chance de provar da lagosta étouffée de Non, mas agora também estava com os nervos à flor da pele graças à persiana barulhenta.

Quando a coisa finalmente parou de fazer barulho, ela olhou ao redor da sala e concluiu que aquele ou aquela fantasma não estava com a menor pressa. Se soubesse, teria ficado mais tempo com Non.

Mas por outro lado, se ficasse mais tempo, o corpo entraria em combustão.

Não, ela havia voltado para casa, como Adeline Raywatt queria, então era melhor o maldito fantasma aparecer para começarem de uma vez.

Kath passou à terceira folha, que era o documento oficial através do qual a avó designava Lin Sasinpimon a um dos netos. Kath ficou impressionada por ver as forças superiores designando funções como se estivessem mandando um e-mail.

Para: Adeline Raywatt, grande matriarca dos médiuns da família Raywatt. De: Lena Luthor, guardiã de primeira classe Ce: Conselho de diretores, Área de entrada do grupo administrativo. Assunto: Caso #19-01-6418 - Lin Sasinpimon
Situação atual: Acesso negado
Purificação necessária: Provar que a requerente é capaz de amar no plano emocional. Tempo designado para a purificação: Nove dias

(...)

Kath ficou de queixo caído.

Nove dias? Sem chance de ela passar uma semana ao lado de um fantasma. Nove dias. De jeito nenhum.

Fora de questão.

— Maldição.

Ela balançou a cabeça ao pensar na ironia. Jamais se apaixonara e estava muito feliz por isso não ter acontecido. Claro que vários membros da família Raywatt conseguiram lidar com as emoções e dar conta das obrigações familiares. Mas Kath jamais fora íntima de homem algum a ponto de contar a ele sobre as obrigações espirituais.

Este assunto raramente vinha à baila. Vá entender. Nove dias...

Por que tanto tempo? Será que este espírito era um desafio tão grande assim? Que maravilha! Ela mordeu o lábio inferior e se concentrou na tarefa que tinha pela frente. Ia conseguir, tinha de conseguir, pois não ia ficar com um fantasma na cola por nove dias. Não podia e não ia passar por isso, pois, obviamente, implicaria passar mais uma semana sem sexo, e ela já esperara demais. Falando nisso, ela se esquecera de comprar pilhas, e, pela cara do temporal, ia faltar luz.

— Onde você está, fantasma? Quanto mais rápido você chegar aqui, mais rápido poderá ir embora.

Ela começou a ler em voz alta.

— Caso 19-01-6418, Lin Sasinpimon, tomando por base a recomendação unânime do conselho de diretores, a supracitada teve acesso negado ao plano seguinte devido à sua incapacidade de amar ao longo de seus 28 anos de existência terrena.

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