Capítulo 27

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SAKURA HARUNO

Foi tão automático sair da sala e ignorar todos à minha volta, que não reparei se me chamaram. 

Sabia que ninguém viria atrás, e foi melhor assim, para que eu pudesse me afundar um pouco em auto sabotagem, pensando um bocado mais como fui ambiciosa. Não precisava de tanto, mas quis mesmo assim. Não desejava apenas estar em Maurice, mas estar em alta, ser vista, ansiada, e, mais do que tudo, desejada

Desejada pelas companhias, os teatros, a imprensa. Ser desejada como se fosse invejada; queria que me vissem dançar e falassem que pretendiam ser como eu. Queria os dançarinos falando que Sakura Haruno era a bailarina da década. 

Eu não tiro totalmente a razão de Hiruzen. Pelo menos não na parte que caio na real e percebo que se passaram apenas alguns meses desde que fui morar em Sartre. Aconteceram tantas coisas, e eu me senti tão pressionada a vencer, que parecia monótono não ter conquistado tudo que eu queria, de uma vez. Mas algumas coisas demandam tempo, e trabalhar com dança era uma dessas coisas, porque não bastava talento, tinha que ter contatos. 

No fim, acredito que pensei e idealizei demais uma conquista, como quando se aguarda ansiosamente pelo final de um filme. Mas o meu filme não acabou quando cheguei em Maurice. Os problemas continuaram a vir, como antes, e nada foi como planejei. 

Talvez eu ainda não tenha aprendido sobre a felicidade e a gratidão diária. A coisa que é necessário sentir para viver feliz. Talvez, só algumas pessoas tenham o privilégio de desvendar como se vive de verdade. 

Agora sinto… sinto tantas coisas ao mesmo tempo. Arrependimento, raiva, e, acima de tudo, vergonha. Acho que essa é a palavra certa. Me sinto envergonhada mesmo, por ser tão ansiosa pelo futuro, por ter desperdiçado minha chance em Maurice, por ser tão afobada, quando não preciso mais. 

Hiruzen me deixou constrangida, não consigo nem pensar na cena, não consigo revivê-la na minha cabeça, porque já não consigo me lembrar com exatidão como foi. Detesto isso. Detesto como minhas memórias ficam turvas, embaçadas com a realidade e as coisas que guardo na minha cabeça. Detesto que todos aqueles bailarinos famintos por uma humilhação tenham me visto sendo diminuída naquela sala. Detesto a raiva que estou sentindo no momento, porque me faz lembrar de uma antiga Sakura. Uma antiga versão de mim, que odeio, e prometi que não iria voltar a ser.  

A espreita, numa parte que costumo ignorar de mim, sinto um ódio tão grande de tudo, que tenho que fingir que não sei que, a qualquer momento, posso estourar. Talvez Ino não tenha razão. Eu não preciso de terapia em grupo para contar o que já superei depois de uma vida tão difícil. Acho que preciso voltar para a terapia normal.

Pensei que não precisava mais disso. Pensei que nem mesmo a terapia em grupo eu deveria participar. Não sinto que tenho nada para falar. Ela me vê como uma vencedora, mas só sinto que só perco e perco. Sinto que me controlo, mas não sou eu mesma. Sinto que falta um pedaço, que só não estouro com as pessoas porque aprendi a me deter, que não sou mais rude porque fico me limitando. Não consegui vencer, estou sempre batalhando contra mim. 

Saí de Maurice Beauvoir ainda colocando as blusas de frio grossas que estavam no meu armário e ajeitando minhas calças, tremendo com o clima ameno que fazia ao lado de fora da companhia. 

Estava com tanto medo. Medo de ficar em Maurice, medo de sair de Maurice, medo de Hiruzen colocar meu nome na lama, dele deixar que o mundo do balé pense que sou uma vilã mal agradecida e distorça tudo na internet, medo de cumprir com minha parte do acordo e ele me demitir, medo de não cumprir, e me arrepender depois, com meu passado vazado, para que todos possam ver, e me julgar. É isso. Tenho medo de ser julgada. 

Como Fogo e Pólvora | SASUSAKUOnde histórias criam vida. Descubra agora