Capítulo 29

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SAKURA HARUNO

Acho que a pior parte de ser uma pessoa que reflete sobre os próprios sentimentos, é o castigo de pensar nos meus erros. 

É curioso ficar com isso na cabeça enquanto respiro fundo e assisto de novo e de novo o vídeo que passa no meu telefone enquanto sinto orgulho de mim mesma com uma mistura agridoce de falha na ponta da língua. Acho que algumas coisas nunca, nunca mudam, e talvez essa sensação permanente de desacordo que sinto, vá continuar desse jeito para sempre. 

Sasuke me disse na noite passada que a falta de carinho revolta o ser humano, e, após ouvir isso, acredito ser assim, como sou, por revolta. Por falta de carinho. Mas eu já cresci, e quando a gente cresce a culpa para de ser do outro e passa a ser nossa, não importa o passado; não importa os motivos. Eu pensava em tudo isso, porque o vídeo que repetia incansavelmente na tela do meu celular era a minha apresentação da final do concurso da Algreen, com Sasuke, e eu sentia tanta, tanta coisa assistindo aquilo. 

A legenda era, A Culpa Não é das Estrelas. E parecia intrinsecamente ligado à cena de divulgação do concurso, com a bailarina molhada, citando Shakespeare também. 

Eu queria isso. 

Queria que olhassem e pensassem: isso foi feito pela Algreen. 

Queria que ligassem minha imagem a companhia. E funcionou. 

Haviam mais comentários do que pude contar; muito mais do que conseguia responder. 

Era uma cena bonita, intimamente ligada a narrativa o vídeo, e ao tema que escolhemos, desenvolvido no bar em que Sasuke tocava com mais frequência, vazio, num palco solitário, onde eu dançava, e a única pessoa que assistia, era Sasuke, numa mesa modesta, em silêncio, dessa vez sem aparentemente tocar nada, apenas me olhando como se eu fosse especial, de máscara e roupas pesadas. Meio rude em seu jeito de sentar. Enquanto eu permanecia de meia-calça e collant, sem saia, sem figurino, apenas… nua. Quase nua. Dava pra perceber a intenção de demonstrar isso enquanto nos gravavam. 

Os amigos de Sasuke nos ajudaram muito, e ficou tão bom, que eu jamais imaginei que ia ficar viciada em olhar para mim mesma. 

Tenho terríveis hábitos de culpar os outros, e nunca a mim, mas nada é controlado fora de nossas próprias escolhas.” 

Minha voz soou no fundo como uma cantiga sensual. Eu não me cansava, não me cansava. Era Sasuke, eu, e todos os meus sentimentos. 

Em algum momento, entre um passo e outro, arranco a máscara que cobria meu rosto. 

A culpa não é das estrelas se fui condenada a paixão da dança; se carrego o peso da arte nas minhas veias. A culpa é minha, que escolhi lutar para sonhar, e perco batalhas todos os dias, esperando o sucesso final de uma guerra que nunca chega.

Meu coração martelava no peito de um jeito que fazia meu corpo parecer oco, tamanha a força. 

Há um buraco do não saber, cavado fundo na minha pele. Nunca sei se sou vencedora ou sobrevivente. Nunca sei se sou cruel ou se sou vítima.”

Eu sabia que quem vivia de arte, sentia essa frase como eu sentia. 

O único domínio que tenho sobre o mundo são as sensações que sinto. E o desejo que me queima e me esfria pela dança, é o que faz meu coração bater. Vivo numa briga feia entre meu ego e minhas vontades; entre meu passado e o que quero do futuro. Quem nasce sem ter nenhuma escolha, e quer viver como artista, tem que ter talento e coração de pedra. Mas meu coração não é de pedra. Eu sinto tudo e sinto muito. Sinto tanto, que o que me resta, é renegar o destino; rejeitar minha história. Porque o sucesso, para quem não nasce nele, é do preço da alma.

Como Fogo e Pólvora | SASUSAKUOnde histórias criam vida. Descubra agora