- Capítulo 45

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Dias após o nascimento de Aurora, a rotina estava finalmente se acalmando. Soraya, ainda cansada e se recuperando do parto, tentava se adaptar à nova realidade. Eu estava sempre ao seu lado, fazendo o possível para cuidar de ambas, mas algo estava diferente.

Soraya ficava mais tempo em silêncio, seu sorriso não era mais o mesmo, e a alegria que costumava transbordar dela parecia se dissipar. Quando Aurora chorava, Soraya mal reagia. A princípio, pensei que fosse apenas o cansaço, afinal, o parto foi difícil, e a recuperação não estava sendo fácil. Mas os dias passaram, e a situação parecia piorar.

Entrei no quarto com Aurora nos braços, sentindo a calma silenciosa da noite ao redor. O ambiente parecia quieto, mas dentro de mim, o caos estava apenas começando. Ao ver Soraya sentada na beira da cama, perdida em seus pensamentos, uma onda de preocupação tomou conta de mim. Ela mal me olhou quando entrei. A frieza em seu rosto me assustou.

- Sol... está tudo bem? — perguntei, tentando manter a suavidade na voz enquanto me aproximava com Aurora.

Soraya ergueu os olhos, mas não havia sorriso. Em vez de me acolher, como sempre fazia, levantou a mão e fez um gesto para que eu parasse.

- Não, não chegue perto de mim com ela — disse, com a voz trêmula, mas firme.

Senti meu corpo congelar por um instante. Nunca imaginei que Soraya pudesse me afastar, especialmente de Aurora. A nossa Aurora, tão desejada, tão amada.

- O que está acontecendo, Soraya? — tentei, ainda em choque. — Aurora é nossa filha. Ela precisa de você.

Soraya desviou o olhar, a dor evidente em seu rosto.

- Eu não... — começou, as palavras saindo com dificuldade. — Eu não quero vê-la.

Era como se meu chão tivesse desaparecido. Fiquei ali, sem reação, encarando a mulher que sempre foi minha fortaleza, agora se desmoronando diante de mim.

- Como assim, Sol? — perguntei, a voz saindo com mais firmeza do que eu sentia. - Você desejou tanto a Aurora... o que mudou?

Quando tentei me aproximar, Soraya se levantou de repente e me empurrou, quase me fazendo perder o equilíbrio.

- Eu não consigo, Simone! — gritou, as lágrimas finalmente rompendo a superfície. — Não posso... não quero... Eu não sou capaz de ser mãe! Eu vou machucá-la!

Ela se tremia de maneira descontrolada, como se estivesse sendo consumida pelo pânico. Abracei Aurora com mais força, enquanto o choro baixo da nossa filha ecoava no quarto. Cada soluço parecia afundar Soraya ainda mais em sua dor. Ela recuou, como se o som de Aurora a ferisse.

- Você tá doida, Soraya? Eu poderia ter caído com a nossa filha! Tem noção disso? Ela é só uma recém-nascida! — minha voz ecoou no quarto, mas Soraya não reagiu. Ela parecia perdida em outro mundo, distante de tudo, inclusive de mim. O olhar vazio dela me atingiu como um golpe. Aquela não era a Soraya que conheço, não é a minha Soraya... respirei fundo e tentei aproximar novamente.

- Sol, por favor — insisti, com um tom firme. — Aurora é nossa filha. Ela precisa de nós duas. Não pode continuar assim.

Soraya balançou a cabeça, com os olhos marejados, mas sem o menor sinal de compreensão.

- Eu não posso, Simone. Não consigo — murmurou, quase como se estivesse falando consigo mesma. - Eu vou machucá-la.

- Isso não faz sentido! — respondi, segurando Aurora com mais força, tentando controlar a frustração que crescia dentro de mim. - Você sabe que isso não é verdade. Aurora precisa de você. Você é a mãe dela.

Ela se encolheu, os braços em volta do corpo, como se estivesse tentando se proteger de algo invisível.

- Eu não sou capaz de ser mãe. — A voz dela saiu baixa, mas com uma convicção que me assustou. - Sinto que vou falhar com ela. Não consigo nem olhar para ela sem sentir isso.

Eu respirei fundo. Estava cansada, exausta na verdade, mas não havia tempo para me deixar levar pelo desespero. Soraya não estava bem, isso era óbvio, mas precisava entender que esse sentimento de fracasso não era a realidade.

- Isso é a depressão falando, Soraya - disse, mantendo o controle na voz.- Você está doente, mas isso não significa que não é uma boa mãe. Só precisamos de ajuda. Vamos procurar alguém, algum profissional que entenda disso.

Ela me olhou de relance, o olhar confuso e incerto.

- E se eu não melhorar? — murmurou.

Me ajoelhei ao lado dela, segurando Aurora com cuidado. Não havia tempo para hesitar. Eu precisava reagir antes que tudo ficasse pior.

- Nós vamos lidar com isso — disse, com um tom firme. — Mas precisamos dar o primeiro passo. Você precisa aceitar ajuda. Não dá para continuar assim.

Soraya não respondeu. Ficou ali, imóvel, com os olhos fixos no chão. Ela estava lidando com algo muito mais profundo do que apenas o cansaço do pós-parto, e eu não podia resolver isso sozinha. Não adiantava empurrar. Precisávamos de um plano real, de alguém que soubesse o que fazer.

- Eu vou precisar conversar com dona Josefa amanhã — falei, mais para mim do que para ela. — Isso precisa mudar. E vai mudar. Não temos outra escolha.

Soraya apenas assentiu levemente, sem tirar os olhos do chão.

Era o primeiro sinal de que, talvez, ela estivesse disposta a enfrentar isso. Mesmo que fosse só o começo, já era alguma coisa.

Levantei, ainda segurando Aurora, e deixei o quarto em silêncio. Precisava manter a cabeça no lugar. Fui para o quartinho de Aurora e me sentei na grande cadeira ao lado do berço, onde tenho a cena guardada na lembrança,  de Soraya com ela nos braços, amamentando e cantando nossa música pra ela.
Meu coração ainda batia rápido, e eu mal conseguia controlar as lágrimas que agora desciam livremente. A cena de Soraya me empurrando e a sensação de quase perder o equilíbrio com Aurora no colo continuavam a se repetir na minha mente. E se eu tivesse caído? E se ela tivesse se machucado?

Olhei para Aurora, tão pequena e inocente, dormindo profundamente nos meus braços. O peso da responsabilidade que eu carregava naquele momento parecia esmagador. Eu estava tentando ser forte por ela, por Soraya, mas por dentro, a exaustão e o medo estavam me consumindo.

Soraya precisava de ajuda, isso era claro. Mas eu também precisava. Não dava mais para lidar com tudo sozinha.

Respirei fundo, tentando recuperar o controle das emoções. Não podia deixar isso continuar assim, nem por Soraya, nem por mim, e muito menos por Aurora. Ela merecia crescer em um lar onde o amor e a tranquilidade fossem maiores do que o caos que estávamos vivendo agora.

Dei um beijo suave na testa de Aurora e a coloquei cuidadosamente no berço. Fiquei ali por alguns minutos, olhando para ela, sentindo ao mesmo tempo um amor profundo e um medo quase paralisante.

- Sua mamãe vai voltar a te amar, minha pequena...

Eu não sabia como as coisas iriam se resolver, mas uma coisa era certa: eu faria o que fosse preciso para manter nossa família unida. Mesmo que isso significasse enfrentar a tempestade sozinha, por enquanto.

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Voltei, girls 💋

Fazenda Monte Azul (Simone & Soraya)Onde histórias criam vida. Descubra agora