Nathália

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Depois de um dia inteiro de trabalho, a curiosidade me corroía. O que diabos seria essa tal surpresa? Minha mente não parava, imaginando mil e uma possibilidades, mas nenhuma parecia fazer sentido.


Cheguei em casa já tarde da noite, exausta. Assim que entrei, fui recebida por um aroma delicioso que vinha da cozinha. O cheiro de algo sendo assado tomava conta do ar, provavelmente uma receita nova do meu pai. O perfume convidativo deveria ter me animado, mas, por alguma razão, meu estômago deu um nó. A sensação veio tão forte que, em um impulso, precisei sair de casa novamente, sentindo a brisa da rua bater no meu rosto enquanto eu tentava me recompor.


"Que droga está acontecendo comigo?", pensei. Nunca fui de frescura com comida, mas agora parecia que meu corpo estava em guerra com algo invisível.


Respirei fundo, tentando me acalmar. Após alguns minutos, voltei para dentro, movendo-me com cuidado, como se cada passo fosse um desafio. Fui em direção à cozinha, o cheiro ainda no ar, mas agora minha mente estava focada em não deixar meu estômago se revoltar novamente.


Ao me aproximar da cozinha, escutei o som abafado das panelas, o crepitar suave do forno trabalhando, mas meu corpo continuava estranho, inquieto. Mesmo assim, tentei me concentrar e entrei de mansinho, desejando não passar vergonha diante do meu pai, que provavelmente estava orgulhoso de sua nova invenção culinária.


— Oi, pai! — falei, tentando soar o mais normal possível enquanto o abraçava. Ele me recebeu com um sorriso caloroso, beijando minha testa como sempre fazia.


— Nathy... o que foi, filha? — Ele me olhou com preocupação. — Você está branca como um papel!


Eu me sentei numa das cadeiras da cozinha, sentindo a cabeça girar e o estômago ainda mais embrulhado. A tontura só piorava.


— Pai... tô péssima... — comecei a dizer, mas antes que pudesse terminar a frase, senti uma onda de náusea incontrolável. Num impulso, me levantei e corri para o banheiro próximo à cozinha. Mal consegui fechar a porta antes de me inclinar sobre o vaso e vomitar o pouco que ainda restava no meu estômago.


Enquanto o desconforto me tomava, senti o suor frio escorrer pela testa. As pernas tremiam, e meu corpo parecia exausto, como se tivesse lutado contra uma maré forte. Apoiei as mãos na pia e respirei fundo, tentando me recompor. O som da torneira aberta preenchia o banheiro, misturado com a voz abafada do meu pai, que me chamava do lado de fora, preocupado. — Filha? Tá tudo bem aí? Quer que eu chame o Gabriel para te examinar?


Eu fechei os olhos por um instante, sentindo as batidas aceleradas do meu coração. Saí do banheiro me sentindo péssima, segurando a beirada da pia para me manter de pé. Assim que voltei para a cozinha, encontrei meu pai com um sorriso largo, aquele tipo de alegria quase ingênua que só ele conseguia ter mesmo nos momentos mais preocupantes. Seus olhos brilhavam de expectativa enquanto me observava.


— Filha... — ele começou, com uma leve empolgação na voz — o que você tem? Não me diz que... eu vou ser vovô?


Fiquei boquiaberta por um segundo, e, mesmo com a náusea ainda me dominando, não pude evitar revirar os olhos.


— Impossível, pai... — respondi, suspirando. — Eu estou tomando os devidos cuidados.Ele soltou um suspiro dramático, jogando as mãos para o alto com uma expressão de falso desapontamento.


— Aaah, Nathalia, você sempre consegue acabar com a minha alegria... — brincou, embora houvesse um fundo de verdade no que dizia. — Eu já tô pronto pra ser avô, sabia? Um netinho pra correr pela casa, fazer bagunça... ia ser bom.


Mesmo me sentindo tão mal, um sorriso fraco se formou no meu rosto. Era típico do meu pai, sempre com essas esperanças de vovô orgulhoso antes mesmo de haver qualquer sinal real de que isso poderia acontecer. Eu sabia que ele só queria ver a família crescer, especialmente depois de tudo que passamos. Mas naquele momento, o que mais me incomodava era entender por que me sentia tão estranha. O que, afinal, estava acontecendo comigo?


Subi para o meu quarto ainda pensativa. Minha menstruação não estava atrasada, então gravidez era impossível. Mesmo assim, a sensação de desconforto e enjoo não desaparecia. Tomei um banho longo e quente, tentando relaxar, e coloquei roupas leves para ver se o mal-estar melhorava. Mas assim que o cheiro da comida chegou ao meu quarto, tudo piorou. O enjoo voltou com uma força brutal.


Desci para a cozinha com uma expressão cansada. Meu pai já estava servindo o jantar, e ao lado dele, minha mãe, meu irmão, e Roberto estavam se acomodando. Todos eles se viraram para mim ao mesmo tempo, com um sincronismo quase teatral. Como um coral afinado, perguntaram em uníssono:— O que você tem?

Me aproximei de Roberto, buscando um conforto silencioso. O abracei e beijei seu pescoço com carinho, sentindo seu cheiro familiar que, por um momento, quase me acalmou.


— Não tô bem... inclusive, não vou jantar — disse, com a voz suave, mas firme.

Foi nesse instante que minha mãe e meu irmão se entreolharam, como se tivessem combinado antes, e soltaram em coro:

— Você tá grávida, Nathalia?

Roberto quase se engasgou com a comida ao ouvir a pergunta. Ele arregalou os olhos, claramente surpreso, e arqueou as sobrancelhas como se precisasse de uma confirmação.

— Você tá grávida, Nathalia?! — repetiu, a voz mais alta e repleta de espanto.

Eu respirei fundo, tentando manter a paciência enquanto todos os olhares estavam fixos em mim.

— Meu Deus, gente, não tô grávida! — respondi, agora um pouco irritada. — Agora não se pode nem ter um mal-estar de vez em quando que já é gravidez? Que exagero!

O clima na mesa ficou um pouco tenso, mas logo senti os olhares relaxarem. Roberto riu sem jeito, passando a mão pela nuca, e meus pais trocaram sorrisos discretos, como se já tivessem criado cenários inteiros na cabeça. Meu irmão apenas balançou a cabeça, divertido com toda a situação.
Deitei no sofá, tentando relaxar enquanto respondia algumas mensagens importantes da noite. O cansaço me atingia, mas a mente ainda estava a mil por hora. Entre as mensagens, uma em especial chamou minha atenção: era da Rebeca, minha amiga ginecologista que trabalha em uma ONG na favela. Ela sempre está envolvida em projetos sociais, fazendo palestras e ajudando em consultas ginecológicas. Hoje, no entanto, a mensagem trazia algo mais sério.


Ela me mandou a foto de um bebê, um menininho de mais ou menos 15 dias, que havia sido abandonado pela mãe. Rebeca estava claramente abalada com a situação e comentou que pensava em uma possível adoção. Aquele pequeno ser, tão frágil, já sem mãe tão cedo... a mensagem parecia, de certa forma, um lembrete incômodo do que todos na minha família vinham insinuando naquela noite.


"Será que estou grávida?" A dúvida me invadiu por um segundo, mas sacudi a cabeça, tentando me livrar daquele pensamento. Respondi à Rebeca, oferecendo todo o apoio que podia, mas o nó no estômago não me deixava. Aquela noite estava cheia de sinais, e cada um parecia mexer mais com meus sentimentos. 


Rebeca e o marido sempre enfrentaram dificuldades para engravidar, então a possibilidade dessa adoção significava muito para ela. Fiquei feliz por ver que, talvez, ela pudesse finalmente realizar o sonho de ser mãe. A ideia de aquele bebê, que fora abandonado, encontrar um lar cheio de amor me aqueceu o coração. Sabia o quanto isso representaria para ela e para o marido, e torcia para que tudo desse certo.

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