Minha cabeça ainda estava girando. A vida tinha dado mais um giro de 360 graus, uma loucura completa. Eu perdi meu bebezinho... algo que eu mal sabia que estava dentro de mim. É inevitável sentir culpa... aquele sentimento pesado de que, se eu tivesse feito algo diferente, talvez o desfecho fosse outro. Mas, naquele dia, essa culpa parecia maior, quase insuportável. Então, eu me fechei no meu mundinho, tentando escapar das perguntas, dos olhares de preocupação, das mensagens no celular. Era como se o mundo lá fora continuasse girando, mas eu tinha parado, presa naquela dor silenciosa e solitária.
Graças a Deus, na hora do jantar, ninguém me questionou sobre nada, nem comentou sobre o que tinha acontecido. O silêncio e o respeito ao meu espaço foram um alívio enorme. Eu não queria ficar remoendo tudo aquilo, e o fato de não ter que explicar ou revisitar a dor naquele momento realmente me ajudou. Poder simplesmente estar ali, sem pressão, foi o que eu precisava para respirar um pouco.
Naquele dia, deitei super cedo. Apesar de não ter feito esforço físico, a exaustão emocional era imensa. Tudo tinha sido tão cansativo, e o peso dos acontecimentos parecia ter drenado toda a minha energia. Me encolhi na cama, buscando algum descanso, tanto para o corpo quanto para a mente, na esperança de que o sono me trouxesse algum alívio.
Acordei com o som de passos pesados e desajeitados de Roberto cambaleando pelo quarto. Ele estava completamente bêbado, e sua voz era um misto de palavras embaralhadas, falando coisas absurdas e sem sentido. Eu me virei na cama, meio atordoada, sem saber como reagir. O Roberto que estava ali, naquela condição, era uma sombra do homem forte e decidido que eu conhecia.
"Mas era só o que me faltava!" pensei, sentindo uma mistura de raiva e decepção tomando conta de mim. Como se o porre dele já não fosse suficiente, meus olhos caíram sobre o pescoço de Roberto e, para completar o desastre da noite, lá estava uma bela marca de batom vermelho. Aquele detalhe me atingiu como um golpe direto.
"Parabéns, Nathália... a corna do ano!" – murmurei para mim mesma, sentindo o peso de mais uma traição se acumular sobre tudo o que já estava acontecendo.
Deixei o idiota dormindo no tapete mesmo, sem a menor intenção de ajudá-lo. No quarto e comecei a pegar todas as coisas dele, jogando em sacos de lixo sem pensar duas vezes. Um a um, os pertences dele foram para fora do meu espaço, e os sacos ficaram ao lado dele, no chão, como um sinal de que ele já não pertencia mais ali. Passei o restante da madrugada sentada, olhando para aquela marca vermelha no pescoço dele, sentindo-me uma idiota por ainda me importar, por deixar a frustração tomar conta de mim. Era como se a raiva e a decepção fossem maiores do que eu conseguia suportar naquele momento.
Ele acordou com o som insistente do despertador do celular, confuso e visivelmente desconfortável, provavelmente pela dor nas costas de ter passado a noite no chão duro. Levantou-se de repente, em um pulo, olhando ao redor, especialmente para os sacos de lixo empilhados ao lado. Eu estava ali, sentada, observando cada movimento dele, com a mesma expressão vazia de sempre.
"Amor..." – ele disse, se aproximando, tentando me beijar como se nada tivesse acontecido. Afastei-o com uma mão, empurrando-o levemente, deixando claro que não ia aceitar aquilo.
"Que é isso?" – ele perguntou, visivelmente confuso.
Sem dizer uma palavra, apontei para a marca de batom no pescoço dele. Ele se virou rapidamente para o espelho e, ao ver a marca, arregalou os olhos, apavorado, tentando argumentar de forma desesperada.
"Eu juro... não foi nada!" – ele tentava se justificar, a voz carregada de culpa e desespero.Mas eu não queria saber de explicações. "Sem DR. Vaza!" – apontei calmamente para a porta, sem espaço para discussões.
"Mas amor..." – ele tentou de novo, sua voz implorando por uma chance de se explicar.
"Sem DR. Vaza!" – repeti, firme, sem mudar o tom. Eu não queria ouvir mais nada. Naquele momento, estava cansada de desculpas, de palavras vazias. Não havia mais espaço para negociações ou justificativas.
Ele olhou para a marca de batom mais uma vez e, com um bufar irritado, começou a pegar suas coisas que estavam nos sacos de lixo. Caminhou em silêncio para fora do quarto, claramente frustrado, como se ainda tivesse o direito de ficar irritado.
"Quem ele pensa que é?" pensei comigo mesma, sem acreditar na audácia. Na frente dele, mantive a postura firme, não derramei uma lágrima sequer, me recusando a mostrar qualquer fraqueza. Mas, assim que a porta se fechou atrás dele, o peso da situação finalmente me atingiu. Mais uma vez, eu me vi juntando os cacos do que tinha sobrado, tentando colar as peças de mim mesma, e decidida a me reerguer, mesmo que levasse tempo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Destinos
RomanceNathália Ungaretti é uma médica responsável, ética e muito humana, que trabalha na emergência de um hospital em um bairro nobre do Rio de Janeiro. Seu destino muda depois que ela conhece o Capitão do BOPE.