Mentirosa Raposa - Andriel

Capítulo 35

Pela primeira vez, eu acordei antes que o alarme de Matt soasse. Fiquei deitado por um minuto, então me virou e desligou o próprio despertador. Abri o celular para verificar a data. Era sexta-feira, 19 de janeiro. “Neil Josten” faria vinte anos no dia 31 de março. Mas naquele dia, Nathaniel Wesninski completava dezenove. Eu nunca tive o hábito de comemorar meu aniversário, mas sobreviver a mais um ano merecia um momento de silêncio. Passei o  polegar na data exibida na tela e meu pedido foi que as Raposas Ganhassem de Belmonte. Sabia que as Raposas adorariam saber aquela data, Nicky faria uma festa se soubesse, mas apenas fiquei em silêncio.

Tinha consciência de que fora às aulas do dia, mas não aprendi nada. Redigi o que os professores diziam sem absorver uma única palavra. Enfiei as anotações no fundo da mochila, mastiguei a comida sem sabor do refeitório dos atletas, sozinho, e voltei para a Torre das Raposas. Ao subir as escadas, passei por alguns jogadores de vôlei que desejaram boa sorte, e lembrava de ter agradecido. Pelo menos achava que tinha agradecido. Não tinha certeza. Não conseguia concentrar em nada além da partida.

As Raposas não treinavam à tarde nos dias em que jogavam em casa, então eu tinha  bastante tempo livre. Tentei estudar, mas não consegui; tentei cochilar, mas também não obtive sucesso. Quando saíram para o estádio,faltando uma hora para o jogo começar, eu estava a ponto de perder o juízo.

Havia mais do que a partida em minha cabeça. Meu irmão havia dito que minha mãe desapareceu novamente sem deixar vestígios, Jeremy havia me enviado uma mensagem dizendo que Jean tinha tentado voltar para o Ninho mais uma vez e que desejava me ver. Eu sabia que me ver só aumentaria o complexo de culpa dele, ver pessoalmente o meu estado é pior do que ver na TV, então não respondi o Knox.

O vestiário estava com um leve cheiro de alvejante e limpa-vidros. Eu nunca consegui entender por que limpavam o vestiário antes da partida, mas a pequena equipe de limpeza ia todos os dias. Quando as Raposas apareciam para os treinos, grande parte do cheiro já havia se dissipado, mas eu presumi que o tráfego intenso no campus devido à partida tinha atrapalhado os funcionários. Isso explicava por que Wymack estava sentado no centro de entretenimento, em vez de enfiado no escritório. O treinador afirma ser alérgico a materiais de limpeza. Abby dizia que aquilo era uma desculpa nada criativa para justificar o apartamento bagunçado dele, mas Wymack, teimoso, insistiu em sua versão dos fatos.

Wymack observou sua equipe passar, provavelmente à espera de um sinal de que todo mundo tivesse feito as pazes. Naquela semana, cada treino fora um pouco melhor do que o anterior, mas ainda não haviam chegado aonde precisavam chegar. Eu e Kevin voltamos a nos falar na quinta-feira, por que não poderiam ignorar para sempre. Ainda que os veteranos não tivessem perdoado Andrew pelo seu ato de violência, decidiram aceitá-lo por achar que era um mal necessário. Ainda o viam como um quase sociopata, incapaz de se arrepender de seus atos ou de entender por que ficaram tão bravos.

Aaron, por outro lado, não abria mão do seu ódio em meio às Raposas, uma lombada que os fazia tropeçar quando tentavam se reerguer. Eu não sabia por quanto tempo conseguiria tolerar sua hostilidade tão infantil até dar outro empurrão nele. Gostaria que Nicky exercesse mais influência sobre os primos, já que, por dividirem o quarto, tinha mais chances de repreendê-los. Até mesmo Kevin seria um aliado aceitável, se não fosse pelo fato de que só contestava Andrew quando se tratava de Exy. Não estava muito a fim de se envolver nos problemas pessoais deles.

Não havia mais tempo para me preocupar com isso; eu teria que resolver durante o fim de semana. Eu me obriguei a parar de pensar nos irmãos e segui os garotos para dentro do vestiário. Coloquei a senha no cadeado do armário em que ficavam seus equipamentos e abri a porta. Durante alguns segundos, a porta pareceu resistir, o que era estranho; em seguida, ouviu-se um estalo agudo de algo se quebrando.