Meu melhor e único amigo

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- Crystal! Pelo amor de Deus, acorde filha!

Abro os olhos lentamente por causa da claridade. A primeira coisa que vejo é meu pai suando frio, mesmo estando na primavera. Havia adormecido debaixo de uma árvore, queria entrar em contato com a natureza, um dos meus raros momentos sozinha.

- Pai? O quê está havendo? - indago ainda meio sonolenta.

- Nada demais, vamos para Nova York - disse meu pai. - Vamos no caminhão de refugiados para a capital, você sabe como é cheio demais! Da última vez tive torcicolo.

- Mas pai! Estamos aqui há apenas dois dias! - reclamo.

Estamos em um vila não identificada no mapa no interior de Portugal. É um daqueles lugares "parados no tempo" onde não tem comunicação com o mundo exterior, refrigerante ou nescau para tomar. Sempre foi assim, devia estar acostumada com a nossa mudança constante de lugares. Meu pai me diz, desde pequena, que é por causa do trabalho de "pesquisas internacionais" - nem sei se isso existe - que ele atua. Já estive em muitos interiores e às vezes em capitais, meu pai não gostou mais de se relacionar com as pessoas desde... desde a morte da minha mãe quando tinha apenas 5 anos de idade. Agora posso dizer: Bem-vindo ao mundo sem graça de Crystal Underwoo! Vai querer mudança de vida constante com morangos para casa?

- Vamos, filha! - insiste meu pai. - Já arrumei suas coisas, elas estão aqui. Dá pra ir andando!

- Hum, tá bom.

Me ponho de pé mesmo sem a determinação necessária para levantar. Pego minha mala ainda indignada e andamos por cause dez minutos. No caminhão já tinham algumas pessoas mas ainda havia bancos de sobra.

Mais tarde, já estávamos na estrada em direção a capital. As crianças se afastam de mim por eu ser muito "séria" e, muitas vezes, dou medo. Mas sou assim, ninguém pode me mudar. Encaro as paisagens naturais que passam como vultos por causa da velocidade do caminhão e me pergunto se algum dia aquilo ia parar, só quero ser uma pessoa comum, ir e detestar as aulas como todo mundo, ter momentos felizes, e sair com... amigos. Quando foi que tive um amigo na vida? Ah, nunca. E se estivesse provavelmente iria me querer como "mais que uma amiga".

Quando chegamos na capital, papai quase tem um enfarte quando vê uma ronda de polícias patrulhando a fronteira. Isso acontece muito quando vê polícias ou qualquer pessoa que possa prendê-lo, nunca descobri o por quê de tudo isso mas acho que é doença mental.

Eu, meu pai e alguns refugiados passam por dentro de um buraco: um túnel que liga até a capital sem os polícias perceberem. Lá dentro é muito quente, estreito e cai terra o tempo inteiro do teto, por isso, se quiser olhar para cima aconselho ter cuidado. Já estou mais ou menos acostumada com espaços assim, já meu pai fico mais preocupada.

- Quase chegando Crystal! - avisa papai, a voz dele sai cansada e deduzo que está preste a ficar com falta de ar.

Horas depois, estávamos dentro de um avião embarcando para Nova York.

Ficamos hospedados em uma casa abandonada nas áreas mais pobres de Manhattan. Havia muitos mendigos mais quem disse que me importo? Cobrimos as janelas com toalhas e meu pai dá um jeito de ajeitar a porta para que não se abra quando estivéssemos dormindo, ali iria começar mais uma vida com gente que não conheço e logo indo embora de novo.

Andei pelos quartos sujos, fedidos e acabados até que encontro um decente. Por que não ficamos em um hotel? meu pai tem dinheiro de sobra por causa do seguro de vida da minha mãe, mas mesmo assim precisamos viver nessas condições?

Arrumei duas camas improvidas com nossa mala, montes de jornais velhos e casacos para utilizar como lençol. Procuro meu pai para irmos dormir e flagro ele olhando para foto de mamãe quando mais nova e lendo papeis misteriosos.

- Pai, vamos dormir? - finjo que não presenciei nada.

- Hum? Ah! Crystal, claro. Vamos - ele enfia todos os papeis e inclusive a foto da minha mãe dentro da mochila e vai dormir comigo.

No começo do dia, resolvo ir "passear por aí". Meu pai nunca me deixa ir para lugar nenhum sozinha mas deixei um bilhete caso ele queira me achar. Vesti um moletom, calças jeans e all star, está fazendo frio mais uma senhora ainda se tortura a lavar roupas de camisola.

A primeira coisa que quero fazer é ir no metrô de Nova York. E, sim, tenho tendência à lugares apertados e desconfortáveis. Caminho até encontrar uma entrada para o metrô e entro nela juntamente com a multidão. Compro uma passagem e observo o mapa da cidade, são tantas paradas.

Olho por mais um tempo e resolvo visitar a famosa Time Square. De repente, sinto alguma coisa passar direto por mim e se cravar na parede: uma faca. Olho com raiva nos olhos para a pessoa que lançou: no meio de uma multidão surge um rapaz de cabelo preto como carvão e olhos verdes penetrantes; se veste simples e com algumas partes da roupa rasgadas - não pela moda, por estarem realmente rasgada - mais ele é muito bonito mesmo.

Uma dor sai da minha bochecha e passo a mão nela: sangue. O rapaz vem correndo ver o que está acontecendo comigo, pego a faca dele e o encaro com um olhar de morte.

- Ei, ei , ei, calma garota! - disse ele rindo.

- Qual é? Tá querendo matar alguém? - falo.

- Bom, não é bem isso. Faço shows aqui como o " Brincalhão das facas".

- Quem é o retardado que vai querer manusear facas?! Olha, eu vou te denún...

A dor na bochecha aumenta, logo percebo que o corte foi mais profundo do que imaginei.

- Está doendo? - pergunta ele se aproximando de mim - se quiser posso te ajudar, até porque eu joguei a faca.

- Não preciso da sua ajuda - falo, acho que fui ignorante. Realmente, preciso de ajuda, não sei onde fica um ponto ideal para tratar desse ferimento mas não quero ir com o meu quase assassino meu. - Não é pra tanto, vamos! - ele me puxa como se fosse amiga dele.

Paramos em um hospital não muito longe daqui. Meu ferimento é tão comum que não precisei pagar nada, o chato é que aquele menino não parou de me olhar. Já estava incomodada com aquilo, então resolvo perguntar:

- Qual é o problema?! Tem alguma coisa na minha cara?

- Não, é porque você é bonita, homens que acham garotas bonitas tem mania de olhar o tempo inteiro ( Crystal: http://i60.tinypic.com/eur89i.jpg).

- Ah...

Fiquei sem graça, na verdade, mais envergonhada do que sem graça. Ninguém havia me chamado de bonita na vida (bom, tirando o meu pai). Mas quem ele pensa que é? Nem conheço!

- Qual o seu nome? - pergunto.

- Fen, mas não sei meu sobrenome.

- Como assim não sabe seu próprio sobrenome?!

- Desculpa! Ele tem mais consoantes do que sílabas, por isso, me chame de Fen X.

Riu, "Fen X" que nome estranho! Acho que estou sendo mal educada rindo daquele jeito mas ele parece gostar quando as pessoas riem do nome. Contei para ele que moro na parte pobre de Manhattan temporariamente e ele ficou surpreso porque também mora lá (mais não temporariamente).

- Ótimo, qual é o seu nome? - pergunta ele dessa vez

- Crystal - digo. - Meu nome é Crystal Underwoo.






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