2. FRIENDS

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O estômago ronca, as costas doem, o ônibus sacoleja, tudo impede a leitura. Suspiro fundo. E no fundo fico sem saber se o que fiz, ou faço, tá correto. Sair assim, sem deixar bilhete de despedida, nem pros pais, nem pros amigos. E o estranho é que o que sinto mais é não ter dividido com os meus parceiros esquisitões essa minha decisão.

O homem ao meu lado espera. Espera rever o filho que pretende um dia voar. Aí, ele me estende uma bala.

– Quer?

E eu, que não tava a fim de nenhum contato, além da obrigação de viajar com este estranho, aceito.

– Valeu.

E me sinto no compromisso de puxar conversa. Talvez o tempo passe mais rápido, e a fome se esqueça de roncar no meu estômago, e a viagem se torne menos cansativa.

– o seu filho sabe que o senhor está indo ao encontro dele?

O homem sorri.

– não. Quero fazer surpresa.

Tenho vontade de falar a ele que, por vezes, surpresas podem ser coisas bem desagradáveis, mas não digo. Nem sempre aquilo que é alegria pra nós é para o outro também.

– faz tempo que não vejo meu filho - ele diz. – A gente conversa por telefone. Sei dos sonhos dele. Mas por telefone faltam o olhar, o toque, falta o bom.

Então, eu penso nos meus pais. A gente perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Nenhum de nós sabendo o que é ser tocado. Eu, às vezes, querendo. Só esperava. E nada. Quando sera que foi a última vez que a minha mãe ou o meu pai puxaram a coberta até o meu pescoço pra que eu não sentisse frio na madrugada? Não lembro. Aliás, nem sei se esse tipo de gesto algum dia existiu.

– E você, ta indo pra onde?

– Pra casa da minha vó.

– Passar férias?

– Aham – minto. Quer dizer, mentira não tão mentira assim. Férias antecipadas em uma semana; férias pra não mais voltar.

– Férias é sempre bom – diz o homem. – Às vezes, a gente precisa tirar férias da gente mesmo – ri – fazer coisas que não faríamos se fôssemos pensar muito. Eu fugi do trabalho, deixei um monte de processo sobre a mesa. Sou advogado. A saudade do meu garoto era muita.

Eu também fugi, quase digo. Mas não. O ônibus sacoleja e o jornal do homem cai no chão. Ele o junta. O ônibus diminui a marcha, para, e o motorista avisa que teremos vinte minutos para um lanche.

O homem me estende a mão, diz que estamos há horas um ao lado do outro e nem sabemos nossos nomes. Ele me diz o dele.

– Edmundo

– Nome diferente, né? Antigo. Era do meu avô. Foi do meu pai também. Mas não coloquei no meu filho. A mãe dele é que escolheu o nome dele. – aí ele me diz o nome do filho. – Davi, bonito, né?

Eu concordo com um movimento de cabeça. E pede dois pastéis e dois refrigerantes.

– e o seu nome, moça? – pergunta e dá uma dentada no pastel. Empurra o outro pra mim. E empurra o refrigerante também. Aceitei.

– Lauren.

– Ah, que nome lindo, e meio diferente.

– Aham.

(...)

O ônibus segue. O homem ao meu lago já me contou toda a vida dele. Ainda faltam várias horas pra Buenos aires, estamos no meio do trajeto, acho, e o celular não vibrou nenhuma vez. Eu mesmo já resisti, varias vezes, à tentação de enviar um torpedo pro Justin. Estranho nenhum deles ainda não ter me ligado. E minha mãe? Vai chegar em casa, vai perceber talvez que eu não tô. Vai respirar aliviada, pensando que eu decidi dormir na casa do meu pai. Acho que vai ser assim. Quando ela resolver ligar pra ele, já vai ser tarde.

CASH MONEYOnde histórias criam vida. Descubra agora