Terremotos particulares abalaram suas estruturas, com diferenças na escala, é claro. Mas a cena causava espanto de qualquer jeito.
Abilene, aos prantos, não parava de perguntar a Deus o motivo de toda aquela crueldade. Primeiro Juliet, depois Augusto. "Deus, por quê?"
Depois de o detetive checar os batimentos de Augusto para ter certeza de que ele estava morto, como se ainda restasse dúvidas, Alex desceu as escadas e ligou para o médico dos Gentil (pois era difícil falar "o médico da família", já que agora a família era composta por dois cadáveres). Pensando bem, não adiantaria muito chamar o Dr. Pate, não havia nada a se fazer, no entanto, o óbito precisava ser assinado.
William, dominado por uma fúria, pensou primeiramente em asfixia, mas essa ideia foi descartada por causa das secreções no nariz do velho, e a mancha de vômito que havia trilhado sua bochecha e parado na colcha da cama.
Pegou o celular e falou com Tony:
- Pelo visto será necessário que estenda seu plantão. Preciso de você aqui, na mansão do sr. Augusto Gentil, para mais uma perícia. Convoque outro grupo de policiais para dar uma força, vamos precisar.
- Às ordens. Estaremos a caminho.
Junto com policiais, chegou o médico, numa prontidão assustadora. Era uma figura engraçada, andava rápido e usava óculos de armações redondas e pequenas, era calvo e seus poucos cabelos eram desgrenhados, vestia-se todos os dias de branco, como se estivesse pronto para emergências, sempre ansioso para exercer sua função, fosse ela salvar vidas ou registrar mortes.
William queria se livrar do pensamento, não era hora para isso, mas o escândalo que a mídia faria em cima desses homicídios era algo que insistia em vir à sua mente.
Abilene chorava como uma garotinha perdida num supermercado gigante em busca dos pais.
E foi às três da manhã, quando soou um bip no relógio de pulso do morto, que William sentiu o peso do cansaço sobre suas costas.
Os empregados saíam de seus quartos como curiosos atraídos por algo bizarro. Primeiro um apareceu ali, depois outro acolá, e de repente se formou um telefone sem fio.
Alex, o proliferador de notícias na mansão, se encarregou de contar, mesmo que de maneira superficial, não poupou ninguém da tragédia. As reações eram todas iguais: apavoramento. "E o que faremos agora?", mas Alex não sabia o que responder.
Quando perguntaram onde estava Juliet, William falou:
- O corpo foi levado para autópsia. Estão examinando neste momento - E pediu licença.
Num canto mais reservado do salão, o Dr. Pate informou ao detetive que a morte de Augusto aconteceu por volta da uma da manhã, ou seja, duas horas antes, muito provavelmente por envenenamento. O Dr. Pate disse que o melhor a se fazer era mandar o corpo do sr. Augusto Gentil para o IML para uma autópsia para que o óbito fosse registrado. William disse que o faria o mais rápido possível, pois precisaria de resultados mais concretos para dar prosseguimento à investigação que desejava pôr em prática.
O médico terminou sua tarefa no quarto e desceu as escadas para atender Abilene, que passava mal, sua pressão havia despencado feito um carrinho de montanha-russa. Depois que ela se recuperou um pouco, o detetive aproximou-se e disse:
- Senhora Abilene, precisamos ter os resultados da autópsia para saber exatamente o que houve, mas não podemos nos enganar sobre o que aconteceu aqui. Por isso tomei a liberdade para cuidar do caso do sr. Augusto também, o perito está...
- Não estou em condições de falar sobre isso, meu filho.
- E foi por isso que tomei a liberdade - explicou, olhando-a nos olhos. - Já estou cuidando do homicídio de Juliet Gentil, e acredito que...
- O senhor acha que as mortes...
Abilene não terminou a frase. Seus olhos estavam sem foco. Umedeceu os lábios enrugados e encarou o chão.
- Eu suspeito que as mortes estejam ligadas de alguma forma, sim, sra. Abilene.
Ela analisou o que ouvia. "Seria mesmo necessário?", Abilene pensou. Mas não podia negar, por mais que a saúde de Augusto andasse frágil, sua morte estava longe de ser associada à morte natural. Alguém havia dado cabo de sua vida. E, no caso, estamos falando de assassinato. "Sim, me parece que sim, precisamos de uma investigação por aqui", se deu conta.
Depois de receber o consentimento de Abilene, William trocou mais algumas palavras com o médico.
Os rostos inchados dos empregados, que agora estavam em maior número, não escondiam o choque que levaram.
**********
Neste ínterim, o detetive William estava com suas engrenagens mentais na ativa, pensando no que fazer.
Depois que Tony terminou a análise, o segundo corpo foi encaminhado para o laboratório do IML. Tio e sobrinha estariam juntos, separados apenas por mesas frias e metálicas do laboratório, mas isso era apenas para cumprir o protocolo, pois os resultados não seriam surpresa.
- Agradeço o serviço prestado até o momento - disse a Tony. - Mas preciso de um último favor. Falarei com a governanta, sra. Abilene, acerca do notebook da primeira vítima, preciso que providencie um mandato de busca e apreensão o mais rápido possível.
- Já entrei em contato com o promotor público Leonardo Palhares, senhor. Ele nos informou que está interessado em ajudar e agilizar o que for preciso.
- Ótimo, se isso fizer o juiz acelerar a liberação para investigar o IP do e-mail que está no computador, será de grande serventia.
- Cuido disso para o senhor, detetive.
- Grato por sua eficiência. Vá descansar, e assim que eu tiver o notebook em mãos, lhe informo.
O perito saiu com uma expressão muito satisfeita por ter sido útil e poder colaborar além de suas obrigações básicas.
Logo após, William ordenou aos porteiros que impedissem a entrada e a saída de qualquer pessoa que não estivesse autorizada e mandou os empregados para seus quartos a fim de diminuir a quantidade de pessoas transitando no local, até que toda a equipe vasculhasse a mansão em busca de pistas. Para o médico-legista presente, o detetive disse que ajudaria, e muito, se o processo fosse rápido, e que os exames fossem encaminhados para ele com urgência assim que estivessem prontos.
William gostava de se sentir no comando, aquilo lhe dava a sensação de trabalho sendo feito com afinco. Sua cabeça não parava, a locomotiva cerebral soprava fumaça e fazia barulho.
- Será que temos uma dupla agindo por aqui? - William sussurrou, sentindo cubinhos de gelo derretendo em seu estômago, era a realidade sendo digerida. - Temos uma pessoa que age com força, no caso de Juliet, e outra com veneno, neste caso?
William já tinha Robson, mas este teria um cúmplice?
De súbito, William Silva se perguntou se estaria lidando com um casal.
Robson havia tido ajuda de alguma menina ou ele mesmo havia providenciado o envenenamento do milionário? Preciso saber se Robson perambulou pela mansão e se de certa forma teve acesso a algum alimento ou bebida aqui.
Seus pensamentos foram interrompidos pela aproximação do Dr. Pate.
- Bom, acho que não tenho mais o que fazer por aqui.
- Agradeço a prontidão, Dr. Pate.
- Faça um bom trabalho, detetive William. Isso aqui foi uma tragédia.
- Farei meu melhor, doutor. Pode apostar nisso. Tenha um bom dia.
Depois de observá-lo ir embora, William subiu as escadas e ficou próximo ao quarto do falecido. Olhou de lá de cima e constatou que a movimentação havia diminuído bastante. Viu que Alex fofocava com seu amigo cozinheiro (que dali a pouco cuidou em preparar e servir café e chá para acalmar os ânimos do pessoal), e percebeu também que Abilene já não chorava copiosamente como antes. Estava na hora de começar os interrogatórios na mansão.
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O Cúmplice e o Assassino (COMPLETO)
Mystery / ThrillerCabe ao detetive William Guimarães Silva investigar a morte de Juliet - sobrinha e herdeira do poderoso sr. Augusto Gentil -, assassinada durante um jogo na faculdade com seus amigos. Achando que tinha solucionado o mistério, na mesma noite, descobr...