Vinte e Nove - Sobrevivência

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"Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças".

Charles Darwin


O monstro estava agachado desenhando com um graveto no chão. Ela estava deitada, a terra estava úmida, seu corpo parecia que tinha sido pisoteado várias vezes. Por que ela estava ali? Tinha certeza que tinha corrido com toda a sua coragem, força e determinação. Não era para ter sido apanhada. Estava escutando o som dos passarinhos. Não tinha percebido o tempo passar. Daqui a pouco o dia iria começar a clarear. Ela poderá ver melhor onde ela estava, mas já tinha um palpite do local.

Ele olhou para ela. Largou o graveto e levantou-se.

- Sabe, Maria, tudo isso poderia terminar de outra forma. E vá por mim, ela seria melhor para nós dois.

- Você é doente. Não poderia ter um final feliz. – disse tentando sentar-se, descobriu que as mãos estavam atadas no que parecia um fio, um cabo, não tinha certeza. Seus pés estavam livres.

- Meu bem, aqui você escuta. Eu tive muito trabalho pra poder lhe trazer pra cá. Faz muitos anos que eu não corro tanto. E olhe – disse trazendo a mão direita ao coração – quase que não aguento, mas eu consegui a final, eu não poderia deixar que você saísse andando por aí tão tarde da noite, certo? Sou um bom pai apesar de tudo e prezo pelo que é meu.

Maria não estava mais se aguentando. Aquela conversa de bom pai fora destruída desde que aquele homem, que agora ela não conseguia mais chamá-lo de pai, tinha enfiado na cabeça de que ela pertencia a ele, que ela seria o seu amor.

Olhou para uma borboleta que estava voando. Era o que ela queria estar fazendo agora. Não voando, mas queria essa liberdade. Ficou pensando no que iria fazer se tivesse pouco tempo de vida que nem elas... Tentou lembrar-se das aulas de biologia. Dois meses? Três? Algo do tipo.

As borboletas, pelo que tinha estudado, são artrópodes que passam por mutação completa... Elas passam muito tempo mudando, ficou imaginando se elas sofriam enquanto isso. A mudança é para melhor, mas depois de tanto tempo, ter apenas alguns meses para viver, meses de liberdade. Menos de um ano para deixar a paisagem mais bonita.

Ela sofreu essa mudança, ela sofreu por muito tempo, e agora estava procurando pela sua liberdade. A borboleta amarela continuava voando até pousar em uma pedra ao lado do homem. Ela quer essa liberdade e iria ter, mesmo que por pouco tempo, mesmo que nunca mais volte a tê-la. Ele continuava falando. Isso a estava deixando com raiva.

- CALE A BOCA, SEU FILHO DA MÃE!

- shhh! Maria olhe o jeito que fala comigo, afinal você sempre foi uma boa menina, é assim que eu quero me lembrar de você. Dócil, risonha, encanta...

- Se lembrar? Do que você está falando?

- Oras. Depois de tudo o que aconteceu, de tudo que eu falei para você, da sua fuga, minha filha, você acha que eu poderia deixá-la andando por aí? – As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto moreno de Maria, um choro sufocado de uma ideia de liberdade prestes a ser selada pra sempre. – Não chore, não chore, eu sei eu também estou triste com isso. Estou mais do que você, para falar a verdade, vou ter que conviver com isso enquanto você não vai mais existir.

Não estava achando que sua vida iria acabar de um modo tão banal e pior, pelas mãos do homem que um dia ela chamara de pai, que um dia ela havia contado seus segredos, que ela havia brincado, de alguém que ela havia confiado por tanto tempo. Não era isso que ela queria. Ainda tinha muitas coisas para fazer na sua vida. Algo tinha que acontecer. Alguém deveria passar. Tudo que queria agora era viver. Ela tinha que viver. Sua vida não fora assim tão feliz e seria interrompida sem que pudesse ter a chance de tentar.

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