Três dias atrás.
_ Capitão! Não obtemos resposta pelo rádio, e os outros comunicadores estão na mesma situação...
Alec Cample era expert em se perder em pensamentos, mas já era certo que sua idade era um dos motivos de suas divagações que com o tempo se tornaram tão constantes quanto os sonhos que lhe perturbavam o sono.
_ Capitão?
_ Sim.
_ Continuamos sem respostas senhor.
_ Está bem. - Após tantos anos no comando, o capitão aprendera a esconder sua preocupação do rosto e da voz. - Continue tentando, alguém verá nossa mensagem.
_ Está bem, com sua licença senhor...
Sem prestar atenção ao que o marujo dizia, Alec o dispensou e voltou a consciência para seus pensamentos.
Durante o arrastar dos últimos 23 anos, Alec se entregou a vida no mar abandonando a família e tudo o que conhecia. Com o tempo fizera amigos, paixões e rugas que por muito lhe fizeram esquecer o passado, mas agora aqueles anos dourados já tinham acabado e tão forte como nunca seu passado retumbava em sua mente, não demorou para que ele se afastasse de todos se fechando cada vez mais nos serviços ilícitos que fazia em seu navio, mas nem mesmo a adrenalina de seu serviço vinha sendo o bastante, sua mente se tornará um buraco na tentativa de fugir de tudo o que já fizera mas agora esse buraco o engolia como se o arrastando de volta para tudo de que fugira.
Virando de lado, de forma que a ampla visão do mar que entrava pela janela não obstruísse sua vista, se deu em frente a parede que guardava sua enorme coleção de porta retratos. Levantando, Alec tomou nas mãos um pequeno modelo decorado com conchas e caminhou até sua cabine que ficava ao lado de seu escritório.
Lá, fechou as cortinas das janelas e se sentou em sua cama onde mirou o espelho que cobria toda parede leste. Ao perceber seu reflexo, o velho capitão começou a pesar em sua consciência como a idade lhe afetara, por um momento pode se ver jovem correndo por vielas na França, os cabelos caindo sobre os ombros e os gritos de uma pequena menina chamando seu nome.
Sem se dar conta, Alec recostou sua cabeça contra os travesseiros e apertou o porta retrato de conchas contra seu peito, por um momento se permitiu fechar os olhos e só ouvir o barulho do mar que vinha das janelas.
Estava escuro, chovia forte e um espetáculo de raios jamais visto pelo capitão rasgava os céus, um deles o acordara. Aos poucos, enquanto tentava se orientar, distinguiu os gritos de horror que pareciam vir de todas as direções do navio. Com um salto, Alec pulou de sua cama, não percebendo o pequeno porta-retrato espatifado ao lado e com o coração acelerado correu para fora de sua cabine. Uma espessa névoa o recebeu assim que saiu no corredor, há sua frente somente o vapor que saia de sua boca e os reflexos do que a névoa não cobria eram visíveis.
Sem compreender o que estava acontecendo, percebeu novos gritos do corredor a frente que dava no convés e por impulso partiu correndo naquela direção, a frente se deparou com as escadas e por um segundo parou para acalmar a coluna que parecia estar em chamas pelo recente esforço até que viu sair de dentro da névoa, pulando pelas escadas, um dos seus marujos, por um momento, ambos foram de encontro um ao outro e o capitão logo se viu no chão com o homem sobre ele. Ali no chão pode reparar brevemente no rosto do homem e perceber o seu olhar de insanidade e desespero. Tão rápido quanto se trombaram, o homem tentou se desvencilhar e sem conseguir saiu engatinhando para longe das escadas.
Agarrando o homem que ainda tentava se levantar, o capitão o virou e tentou entender o que acontecia. De imediato o homem pareceu expressar um olhar de alivio, mas este logo desapareceu e ele tentou dizer algo, mas tudo o que saíra de seus lábios foram ruídos.

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PRINCIPIUM
General FictionAs bombas caiam de forma sincronizada. Para aqueles distantes das grandes cidades, foi uma bela visão, uma daquelas que sempre nos arranca o fôlego ao lembrar. Para aqueles que ardiam em chamas, o Inferno se tornava real. Os gritos vinham de todos...