→F o r t y F o u r←

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Melanie 

De uma certa forma foi como se aquele tiro, aquela bala, fizesse com que tudo cessasse.

- Não!

Não era um grito. Era um som fraco, transparecia dor, mágoa. Ao princípio não conseguia reconhecer a quem pertencia a voz que o tinha emitido. A minha cabeça não o conseguia processar.

Senti passos na minha direção, umas mãos a levantarem-me. A minha cabeça doía e os meus óculos tinham caído. Alguém me abraçou fortemente. Um perfume que eu sempre adorei a inundar-me os sentidos.

- Luke. – murmurei e consegui arranjar forças suficiente para envolver o seu tronco nos meus braços. Ele afastou-se ligeiramente de mim e pôs-me os óculos na cara, dando-me um beijo na testa de seguida.

Ouvia-se um choro desesperado e a repetição da palavra "não" vezes sem conta.

Levantei a cabeça e tentei perceber o que se estava a passar, de onde provinha o pranto e como é que a guerra tinha parado com apenas um tiro.

- Não, por favor, não.

Conseguia ver a forma de um corpo deitado no chão, perto dos meus pés, e um outro corpo debruçado sobre este. A pessoa debruçada era quem chorava.

Ajoelhei-me ao lado das duas pessoas e, com a minha mente confusa e enublada, tentei perceber o que se estava a passar. Quando finalmente percebi desejei não o ter feito.

Ashley chorava, como nunca tinha visto ninguém chorar, agarrada a ele e a suplicar para ele abrir os olhos.

- Ashley. – chamei baixinho.

Ela olhou para mim e abraçou-me com força enquanto chorava no meu ombro. Abracei-a contra mim e deixei-a chorar, também eu o queria fazer, mas estava a tentar ser forte para a poder apoiar.

- Ashley, respira fundo.

Ela não conseguia respirar corretamente. Soltava soluços e estava a tremer. O seu choro era desesperado e, apesar de tudo o que tinha acontecido entre ela e o grupo, partia-me o coração vê-la assim.

No entanto, apesar da minha intenção, apesar da minha vontade de controlar as emoções, não consegui evitar chorar quando olhei em volta.

Como tudo tinha começado quando a noite já estava escura e já tinham passado algumas horas desde que isso acontecera, já se conseguiam ver os primeiros raios de Sol do dia. Estava a amanhecer e com a claridade conseguia ver melhor as coisas.

Era como se o tempo tivesse parado naquela parte da floresta. A única coisa que se ouvia era o choro e soluços de Ashley, nem os animais faziam qualquer barulho. Lobos e caçadores tinham baixado a guarda, as armas todas tinham sido postas no chão, como se tivesse havido uma desistência mútua. Olhavam um para os outros e, apesar de saber que muitos dos caçadores e lobisomens provavelmente não queriam que isto acabasse assim, queriam que a sua justiça fosse feita, a guerra tinha acabado.

Aquele tiro não era para acertar no rapaz que estava agora deitado no chão. Todos sabíamos que não era. A tia de Ashley sabia isso e, apesar de matar lobisomens ser aquilo que ela faz, mostrava-se arrependida e triste ao olhar para a sobrinha a abraçar o corpo dele contra si.

- Ashley, levanta-te, querida. Vamos levar-te a casa. Precisas de descansar.

Os caçadores e os lobos tinham começado a afastar-se, era um fim de guerra não combinado, simplesmente acontecera, da maneira errada, mas era o fim. Pelo menos entre este grupo de caçadores e esta alcateia tinha acabado a guerra.

- Eu não consigo deixá-lo aqui, Melanie.

- Eu sei que é difícil, mas tens de o fazer.

- É fácil de dizer, Melanie, o Luke está bem vivo ao teu lado.

Sabia que ela não queria ser rude, apenas estava magoada e isso era perfeitamente compreensível.

- É injusto. – ela disse numa voz fraca.

- Tudo é injusto nesta vida, Ashley. Ele não merecia morrer assim, merecia ter uma boa vida. Mas estas coisas acontecem e nós temos de aprender a lidar com a dor de perder alguém que amamos.

- Eu perdi a minha mãe, quis vingá-la e, por causa dessa vingança, perdi o Blake...

- Não, Ashley, a culpa não é tua. Sim, tu podes ser caçadora, mas esta guerra não começou por causa da tua vingança, é uma guerra antiga.

- Eu só não queria que este fosse o desfecho.

- Eu sei que não querias, eu também não queria. A mim também me custa, Ashley, eu e ele éramos amigos há bastante tempo.

- E ele gostava de ti.

- Ele superou esses sentimentos, Ashley, ele adorava-te.

- Eu sei que sim. Ele adorava-me. Mas tu tinhas um lugar especial no coração dele, Melanie, foi por isso que ele se pôs à frente da bala.

Não queria pensar que ele tinha morrido para me salvar. Não conseguia pensar nisso sem me sentir culpada.

- Aquela bala era para mim. – confirmei tristemente.

- Não, aquela bala era para mim, Melanie.

- Eu não te ia deixar morrer, Luke, isso nunca iria acontecer. Nem pensei, apenas me mexi para me pôr à tua frente. – respondi.

- Agora não é hora de discutir uma coisa destas. – Michael pôs a mão no ombro de Ashley. – Vamos para casa, todos precisamos de descansar.

Anuímos. Ashley levantou-se devagar, ainda tremia ligeiramente. O seu pai abraçou-a percebendo pelo que a filha estava a passar.

- Ela pode passar a noite com algum de vocês? Acho que todos concordamos que há aqui algumas coisas para tratar.

Havia vários corpos no chão para além de Blake. Tanto lobisomens como caçadores.

- Ela pode ficar comigo. – prontifiquei-me. – Os meus pais não se vão importar.

- Obrigada, Melanie.

- Não tem de me agradecer, a Ashley é minha amiga. Sei que ela faria o mesmo por mim.

Fomos num silêncio profundo até aos carros. Sorri tristemente ao olhar para o carro de Blake estacionado à frente do de Ashton. Lembrei-me das vezes que ele me tinha dado boleia até à escola naquele carro, todas as vezes que estivemos juntos e nos divertimos, todas as gargalhadas que demos juntos, tanto no Texas com aqui, em São Francisco. Lembrei-me de todos os momentos e chorei, chorei como nunca tinha chorado porque nada vai ocupar o vazio que Blake, um amigo quase irmão, deixou no meu coração. Nada vai ocupar esse lugar e nada me vai impedir de me sentir culpada porque ele pôs-se à frente daquela arma por mim, para eu não deixar de viver. E, o que me faz sentir mais culpada, é que não me consigo arrepender de me ter posto à frente da arma em primeiro lugar. Porque amo o Luke e por ele faria qualquer coisa. É horrível que tenha acontecido o que aconteceu ao Blake, mas se não fosse ele era eu ou o Luke e eu não sei como reagir a tudo isto.


San Francisco • 5SOS → Lobisomens ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora